TRANSCOMUNICAÇÃO

RECOMENDAÇÕES METODOLÓGICAS AOS TRANSCOMUNICADORES

Sem questionar a possibilidade de que espíritos estejam ou não se comunicando conosco por meio de aparelhos, os pesquisadores da PUC apresentam uma série de cuidados necessários nas experiências de Transcomunicação Instrumental (TCI), para que o método cientifico seja observado.

Wellington Zangari e Fátima Regina Machado
Apresentamos recomendações metodológicas aos pesquisadores da transcomunicação instrumental (TCI) por considerarmos que existem variáveis não controladas que podem ser causadoras dos efeitos atribuídos a supostas “vozes paranormais” de origem espiritual.

Essas variáveis são classificadas em três grupos: variáveis psicológicas, variáveis técnicas e variáveis parapsicológicas. Apresentamos e discutimos cada uma das variáveis e sugerimos controles para as mesmas. Finalmente, colocamo-nos à disposição dos transcomunicadores para servir de observadores e assessores em sessões de pesquisa de TCI que levem em conta as recomendações apresentadas.

Durante os últimos meses, temos nos dedicado ao estudo da metodologia empregada em Transcomunicação Instrumental (TCI). A TCI, segundo os transcomunicadores, é uma técnica que se vale de equipamentos eletrônicos, principalmente rádios, gravadores, televisões, videocassetes e computadores, com a finalidade de captar vozes e imagens “paranormais” originárias, supostamente, de pessoas falecidas.

Em nossas leituras e observações a respeito das evidências apresentadas pelos transcomunicadores a favor da hipótese de origem espiritual das vozes paranormais, verificamos que alguns controles essenciais para eliminar hipóteses alternativas não são empregados adequadamente do ponto de vista metodológico, tomando tais evidências cientificamente questionáveis.

Este artigo visa, pois, apresentar algumas recomendações aos transcomunicadores, relativamente a uma das técnicas mais utilizadas: a da gravação das supostas vozes paranormais. Nosso objetivo é apresentar algumas das prováveis hipóteses alternativas, acompanhadas de sugestões de soluções metodológicas que poderiam controlá-las de maneira efetiva.

Portanto, não visamos questionar a possibilidade ou a impossibilidade de que pessoas falecidas de fato se comuniquem. O artigo não se refere a questões metafísicas ou religiosas. Antes, trata de discutir a metodologia utilizada pelos transcomunicadores, porque esta se pretende, ou busca ser, científica.

Do nosso ponto de vista, se os transcomunicadores almejam que suas pesquisas sejam cientificamente válidas, eles devem reconhecer a importância de tomar todas as precauções possíveis no sentido de controlar as variáveis que podem estar em jogo durante as sessões de pesquisa em TCI. Caso contrário, é impossível que uma hipótese, seja ela qual for, seja aceita em detrimento de outras.

Assim, esperamos que os transcomunicadores possam encontrar neste artigo um guia metodológico para aprimorarem suas pesquisas. Dessa forma, queremos de fato estimular que pesquisas sejam feitas, mas também que as exigências metodológicas não sejam esquecidas em favor desta ou daquela hipótese. Apenas a pesquisa bem controlada poderá apontar qual, ou quais hipóteses são aceitáveis.



A TÉCNICA QUE SERVIRÁ DE BASE

para nossa avaliação – a de gravação de supostas vozes paranormais – consiste em que o transcomunicador ligue o equipamento de gravação e faça perguntas aos supostos espíritos com quem quer estabelecer contato. Após cada pergunta, os transcomunicadores aguardam em silêncio por alguns segundos, período em que supõem estarem os espíritos “falando”. Após o término da sessão de registro, que dura cerca de quinze minutos, voltam à fita (ou arquivo, quando a gravação é feita com o uso do computador) ao início do período de gravação e ouvem-na para verificar se alguma “voz paranormal” surgiu conforme o esperado.

Ao mesmo tempo em que as perguntas são gravadas, também o são ruídos de fundo previamente produzidos para essa finalidade. Segundo os transcomunicadores, os espíritos dos mortos modulariam os elétrons produzidos por essa fonte de ruído para poderem tornar materiais seus pensamentos, permitindo assim seu registro pelos equipamentos de gravação. A fonte de ruído pode variar conforme a técnica empregada, apesar da recomendação mais recente ser a de que esse background sonoro deva ser produzido a partir da gravação de vozes humanas sobrepostas. Dez vozes masculinas e dez vozes femininas são gravadas independentemente e, posteriormente, são sobrepostas para produzir uma “massa sonora” de fundo. Já foram utilizados outros ruídos de fundo, principalmente o ruído branco, mas segundo os transcomunicadores, sem o mesmo resultado.

Geralmente, os transcomunicadores realizam suas sessões individualmente, mas há ocasiões em que vários transcomunicadores se encontram com a finalidade de trocarem informações técnicas, apresentarem os melhores resultados de suas pesquisas individuais e, também, realizarem uma sessão grupal de TCI. Nas sessões individuais, os transcomunicadores, basicamente, utilizam um gravador ou computador como ferramenta de gravação das perguntas e possíveis vozes paranormais e outro equipamento – comumente, outro gravador ou um rádio sintonizado entre duas estações, ou algum instrumento construído especificamente para servir como gerador de ruído – gera ou reproduz a fonte de ruído. A utilização dos computadores tem sido altamente recomendada entre os transcomunicadores uma vez que estes permitem o emprego de programas de edição de som que facilitam a identificação de supostas vozes paranormais.


A seguir, faremos a apresentação sucinta das variáveis que sempre deveriam ser controladas, e dos controles que poderiam ser empregados nas pesquisas de TCI. Essas variáveis serão divididas em três subseções, a saber: variáveis psicológicas, variáveis técnicas e variáveis parapsicológicas.


VARIÁVEIS PSICOLÓGICAS:

FRAUDE DELIBERADA

Sempre que se intenta investigar qualquer fenômeno cuja natureza é desconhecida ou ao menos presumida, e os efeitos observados não são replicáveis à vontade e não apresentam homogeneidade, deve-se levar em conta a hipótese da fraude.

A história da utilização desse expediente na investigação de fenômenos parapsicológicos, por exemplo, começa ao mesmo tempo em que a própria pesquisa psíquica. São exemplares as sessões realizadas com Eusapia Palladino, nas quais variados truques para a produção de fenômenos de efeitos físicos foram realizados muitas vezes, sem a percepção dos não-treinados nas artes mágicas. A própria Eusapia Palladino afirmou que se valia de truques sempre que possível.

Algumas das razões psicológicas e psicossociais que levam à utilização desse expediente são: a tentativa de manutenção do efeito quando este não emerge de fontes paranormais; a manutenção do status de “grande médium” ou “grande pesquisador”; objetivos econômicos; desequilíbrio emocional de leve a severo, e desvios morais. Essas razões podem se somar umas às outras, tomando complexa a apreensão total das causas que levam alguém a se valer de fraudes.

Parece-nos imprescindível que a investigação em TCI seja controlada em relação à variável fraude. Recomendamos, pois, que sejam convidadas para as investigações pessoas que acompanhem os procedimentos do investigador, preferencialmente descrentes dos efeitos ou das interpretações dadas aos efeitos obtidos. Como a pesquisa em TCI tem se tornado cada vez mais técnica, e com o emprego de equipamentos eletrônicos cada vez mais sofisticados, sugerimos que se dê atenção especial à fraude técnica, ou seja, aquela em que o pesquisador, utilizando recursos técnicos – como, por exemplo, recursos de um programa de edição sonora ou de imagens – produza um efeito que originalmente não estava ocorrendo. É relativamente simples, por exemplo, produzir efeitos sonoros a partir do grande volume de informações sonoras encontradas em um arquivo. Pode-se facilmente deslocar trechos sonoros de um local para outro, como se se tratasse de uma resposta “paranormal”. Pode-se, ainda, com a utilização de filtros, deformar os sons presentes, de maneira a produzir uma “voz” que responderia a determinada indagação. A presença de um técnico em eletrônica ou de uma pessoa que saiba operar os programas e os equipamentos utilizados é, portanto, altamente recomendável.


FENÔMENOS PROJETIVOS E DE ATRIBUIÇÃO DA CAUSALIDADE

Dá-se o nome de fenômeno projetivo ao fato de um indivíduo reconhecer padrões em um evento caótico. O fenômeno de atribuição da causalidade, por seu turno, pode ser definido como o sentido ou interpretação emprestada a um evento qualquer. O indivíduo, por assim dizer, projeta seus conteúdos psicológicos, expectativas, crenças, em um evento qualquer, ainda que sua natureza seja caótica, sem sentido.

Esses fenômenos psicológicos, já investigados há mais de um século pela Psiquiatria e pela Psicologia (sobretudo pela Psicanálise e pela Psicologia Social), têm sido utilizados, inclusive, com finalidades diagnósticas. Os testes projetivos, por exemplo, formam uma família de testes em que este princípio é aplicado. O mais conhecido desses testes, o Rorscharch, emprega cartões com manchas de tinta, semelhantes às manchas simétricas obtidas a partir da colocação de tinta em uma folha e que é, então, dobrada uma vez e desdobrada. Cada observador vislumbra alguma imagem nas manchas de maneira semelhante às figuras vistas ao se observar às nuvens.

No caso específico da pesquisa em TCI, o observador poderia, em alguns casos, não ver ou ouvir alguma manifestação “paranormal”, mas interpretá-la como tal mediante o mecanismo da projeção e da atribuição da causalidade. Um ruído qualquer oriundo, por exemplo, do mecanismo do próprio gravador, poderia ser interpretado, posteriormente, como uma resposta ou comentário de fonte “espiritual”. Evidentemente, tal hipótese apenas seria válida para sons e imagens nada nítidas ou pouco nítidas, em que haveria de se fazer certo “esforço” para se reconhecer algum padrão organizado no evento.

Para que a projeção e a atribuição da causalidade venham a ser controladas, recomendamos que os investigadores em TCI ou aceitem apenas os sons e imagens perfeitamente nítidas – em que todos os observadores reconheçam o mesmo efeito – ou, ao aceitarem efeitos pouco nítidos, realizem um processo de análise grupal e “cego”. Nessa última hipótese seriam chamados, pelo menos, mais quatro transcomunicadores treinados para ouvirem (ou verem) o som (ou imagem) obtido. Sem ter acesso à interpretação de seus colegas, cada transcomunicador oferece sua interpretação por escrito. Após os cinco palpites, abrem-se as folhas de registro de interpretação. Apenas no caso de haver concordância em pelo menos três dos cinco palpites é que se considerará o efeito como digno de investigação posterior.

É comum verificarmos em seções de apresentação de gravações ou imagens o seguinte expediente: o transcomunicador revela sua interpretação do evento (som ou imagem) e, apenas posteriormente, apresenta a gravação ou imagem registrada. Esse procedimento não é aconselhável, já que pode haver uma indução da percepção dos assistentes. Em alguns casos, no entanto, mesmo a utilização desse expediente não parece suficiente para garantir concordância perceptual entre a captação supostamente paranormal e a interpretação. Algumas vezes, verificamos que a interpretação do pesquisador que registrou certo efeito é contestada pelos assistentes. Isso mostra a necessidade de maior objetividade na avaliação dos efeitos registrados.


FENÔMENOS DISSOCIATIVOS

Os fenômenos dissociativos são registrados na literatura psiquiátrica desde o final do século 18, quando o hipnotismo passou a merecer interesse científico e acadêmico. No entanto, apenas em meados do século 19 esses fenômenos passaram a ser investigados de maneira sistemática.

Os fenômenos dissociativos são aqueles em que as ações de um indivíduo são realizadas aparentemente sem que a sua consciência ordinária se dê conta disso. Haveria, portanto, uma dissociação entre as ações e a consciência.

Os estudos clássicos de Pierre Janet são exemplos dessa fenomenologia. Janet estudou o automatismo psicológico e constatou a existência dos fenômenos dissociativos não apenas nas ações que se tomam automáticas pelo treino (como tocar um instrumento musical), mas também em ações que nunca foram executadas por um indivíduo. A escrita automática seria um exemplo. Independentemente do grau de consciência que a pessoa tenha durante o ato de escrever automaticamente, seu braço parece prescindir da vontade consciente para realizar tal operação.

Se é possível realizar atos sem que tenhamos consciência de como o realizamos e, algumas vezes, sem que tenhamos sequer podemos levantar a hipótese de que, em algum momento, alguém possa cometer uma fraude inconsciente. Sobretudo quando estão implicadas crenças em relação ao efeito esperado e, mais ainda, quando se espera uma informação de alguém com quem temos (ou tivemos) um forte laço emocional.

É importante dizer que os fenômenos dissociativos não estão presentes apenas em pessoas com desequilíbrios mentais. Processos dissociativos são relativamente freqüentes em todos os seres humanos, sobretudo em situações emocionalmente fortes e/ou acompanhadas de atividades que podem ser indutoras de alterações de consciência, como aquelas em que se encontram, muitas vezes, os transcomunicadores. O som do ruído de fundo e o relativo isolamento acústico necessários para algumas pesquisas podem ser altamente indutores de alterações de consciência. Um pesquisador poderia, durante um processo dissociativo, mudar sua voz, provocar ruídos (por meio de sua própria voz ou valendo-se de algum objeto), e responder às perguntas que ele mesmo fez, sem se dar conta de que esteja sendo o autor dessas ações.

Tratar-se-ia de fraude inconsciente (no caso, uma espécie de ventriloquia inconsciente, já apontada por alguns críticos da TCI), portanto, não deliberada, em que o transcomunicador não seria responsável pelos seus atos. A amnésia possível após a alteração de consciência, fenômeno comum na hipnose, poderia levar o transcomunicador a interpretar as respostas como não provenientes dele.

Assim, recomendamos que a variável dissociação seja controlada pelos investigadores da TCI. Nossa sugestão é que se empregue algum meio objetivo de controle da dissociação. Não se trata de controlar a situação de forma que a dissociação não ocorra, mas de que esta seja identificada caso venha a ocorrer. O mais simples e eficiente método de controle é a utilização de uma filmadora que seria ligada durante as seções de pesquisa e focalizaria todas as ações do transcomunicador. Ao se verificar posteriormente a gravação, poder-se-ia constatar se o transcomunicador realizou algum tipo de ação não reconhecida por ele. A presença de um observador externo, como o que estaria controlando outras variáveis psicológicas e técnicas, poderia ser uma alternativa mais barata e simples, apesar de menos aconselhável.



Na próxima edição de Espiritismo & Ciência publicaremos a segunda parte da matéria.


Wellington Zangari
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Inter Psi/ Centro de Estudos Peirceanos/ Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica/ PUC-SP

Fátima Regina Machado
Pontifícia Universidade Católica - SP Inter Psi/ Centro de Estudos Peirceanos/ Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica/ PUC-SP

(Revista Espiritismo e Ciência, Ano 2, número 8: Páginas 26-33)

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