TRANSCOMUNICAÇÃO

Recomendações Metodológicas aos Transcomunicadores – Parte 2

Apresentamos a segunda parte da matéria elaborada pelos pesquisadores do Grupo InterPsi, da PUC, a respeito dos cuidados necessários nas experiências científicas de Transcomunicação Instrumental

Wellington Zangari a Fátima Regia Machado
Trazemos algumas recomendações metodológicas aos pesquisadores da transcomunicação instrumental (TCI) por considerarmos que existem variáveis não controladas que podem ser causadoras dos efeitos atribuídos a supostas “vozes paranormais” de origem espiritual. Já falamos sobre as variáveis psicológicas, e agora apresentamos as variáveis técnicas e parapsicológicas.

Colocamo-nos à disposição dos transcomunicadores para servir de observadores e assessores em sessões de pesquisa de TCI que levem em conta as recomendações apresentadas.

Mais uma vez afirmamos que este artigo não visa questionar a possibilidade ou a impossibilidade de que pessoas falecidas dê fato se comuniquem. Não trata de questões metafísicas ou religiosas. Antes, trata de discutir a metodologia utilizada pelos transcomunicadores porque esta se pretende, ou busca ser, científica. Do nosso ponto de vista, se os transcomunicadores almejam que suas pesquisas sejam cientificamente válidas, estes devem reconhecer a importância de tomar todas as precauções possíveis no sentido de controlar as variáveis que podem estar em jogo durante as sessões de pesquisa em TCI. Caso contrário, é impossível que uma hipótese, seja ela qual for, seja aceita em detrimento de outras.


VARIÁVEIS TÉCNICAS – CAPTAÇÃO DE RUÍDOS NÃO CONTROLADOS

Todos os ruídos não esperados numa gravação devem ser interpretados como paranormais? Os próprios transcomunicadores reconhecem que não. Há ruídos que o transcomunicador produz inadvertidamente, ruídos próprios dos equipamentos de gravação e ruídos de fora do local da gravação, como carros, aviões, helicópteros, cães, pássaros, vizinhos ou pessoas que passam conversando pela rua. Esses sons devem ser controlados. O local das seções de pesquisa deve ser isolado acusticamente. Quando esse recurso não for possível por questões econômicas ou outras, deve-se manter um protocolo de controle de ruídos externos, preenchido pelo pesquisador e pelo observador externo. Assim, todos os ruídos que forem gravados inadvertidamente estarão registrados por, pelo menos, um dos presentes à seção.

Ainda em relação à captação de ruídos não controlados, temos de lembrar que as fitas cassetes encontradas no mercado são, muitas vezes, fitas já utilizadas e que passaram por um processo de desmagnetização. Apesar disso, não podem ser consideradas fitas virgens. Estas podem apresentar ruídos em background que, por sua vez, podem ser confundidos com supostas vozes paranormais.

Assim, recomendamos que, se o transcomunicador se valer de fitas cassetes para suas seções de pesquisa, faça-o com fitas de marcas tradicionais no mercado e, ainda assim, sempre avaliem as mesmas, ouvindo-as em volume alto antes de utilizarem-nas. Caso seja reconhecido algum som de fundo, resultado da má desmagnetização, a fita não deve ser utilizada, a não ser que um profissional a desmagnetize novamente com os cuidados técnicos necessários. Uma solução mais econômica seria o registro desse ruído no protocolo acima mencionado de forma que o mesmo não seria levado em conta no momento de avaliar a gravação.

Outro cuidado que o transcomunicador deve ter em relação a essa temática relaciona-se com a captação de ondas hertzianas convencionais, já que alguns gravadores comuns podem servir como antenas receptoras de estações de rádio. Além disso, a própria fonte de ruído utilizada por alguns transcomunicadores, como a utilização de ruído branco proveniente de rádios “fora de estação”, pode não ser aconselhável porque, dependendo da intensidade do sinal da estação de rádio – que é variável de acordo com vários fatores – é possível captar, inadvertidamente, sinais de alguma estação. Assim, recomendamos que, no caso de serem utilizados gravadores, que estes estejam dentro de dispositivos que impeçam a entrada de ondas de rádio convencionais, como a Gaiola de Faraday. Ainda melhor seria fazer a gravação em sistemas de computador, menos sensíveis às ondas de rádio, desde que a fonte geradora do ruído seja também gerada de maneira controlada, por exemplo, pelo próprio computador.

O último tema técnico que gostaríamos de tratar relaciona-se à fonte de ruído utilizada. Há uma recomendação feita pelos próprios transcomunicadores para que seus colegas não utilizem ruídos brancos, mas uma massa sonora resultante da gravação de vozes humanas, como já foi mencionado. Esse tipo de ruído, apesar de inventivo, pode levar a alguns problemas de avaliação. Na medida em que são vozes humanas, os ruídos de fundo podem se prestar mais facilmente às interpretações projetivas já comentadas. A voz do transcomunicador, sobreposta a esse tipo de ruído, pode produzir novas variações sonoras, permitindo novas interpretações projetivas. Nossa recomendação é a de que, ao utilizarem esse tipo de ruído, os transcomunicadores gravem as perguntas e o ruído em diferentes canais, de forma que a análise sonora seja feita comparando-se o ruído de fundo pré-existente com aquele gravado durante a seção. Essa análise diminuirá os erros de interpretação o visto que se deterá exclusivamente naqueles pontos da gravação que diferem do ruído de fundo.


VARIÁVEIS PARAPSICOLÓGICAS - EFEITO DO EXPERIMENTADOR

De todas as variáveis apresentadas neste trabalho, as parapsicológicas são aquelas que mais problemas trazem ao transcomunicador. Em primeiro lugar, porque são as menos conhecidas já que, comparativamente, há menos estudos parapsicológicos que psicológicos ou técnicos. Há, portanto, muitas dúvidas quanto ao funcionamento e à extensão dos fenômenos parapsicológicos. Em segundo lugar, porque representam uma “pedra no sapato” do transcomunicador em relação à interpretação dos efeitos registrados. Em certos casos, é impossível afirmar com segurança se um dado efeito teve como fonte uma manifestação parapsicológica do próprio pesquisador ou não.

Como o leitor deve saber, os parapsicólogos estudam, basicamente, três tipos de fenômenos: a) a percepção extrasensorial (ESP), que compreende fenômenos como a telepatia, a clarividência e a precognição; b)a psicocinesia (PK), popularmente conhecida como “poder da mente sobre a matéria”, presente nos casos de poltergeist e de estudos experimentais de micro-PK ou PK-biológica, em que o agente intenta produzir, respectivamente, efeitos microscópicos cuja verificação depende de equipamentos de mensuração, e efeitos sobre organismos vivos, como a mudança de estados fisiológicos; c) a possibilidade; de sobrevivência após a morte. Durante os últimos sessenta anos, tem havido uma grande discussão entre os parapsicólogos relativamente à possibilidade deles próprios estarem atuando como agentes em suas pesquisas de ESP e/ou PK em vez do agente experimental. Assim, os resultados de suas pesquisas poderiam ser atribuídos, pelo menos parcialmente, a eles próprios, que se utilizariam de suas capacidades parapsicológicas para obterem resultados que convalidariam suas hipóteses experimentais.

Há consenso de que essa possibilidade existe e está demonstrada. Há casos até mesmo cômicos relacionados a este particular. Conta-se que um eminente parapsicólogo, ao investigar a possibilidade de animais possuírem alguma capacidade parapsicológica, acabou por eletrocutar, até à morte, seus sujeitos experimentais: baratas! Não é preciso dizer que ele odiava este tipo de insetos. Apesar da longa discussão a respeito dessa variável, existem poucos recursos técnicos para isolar a possibilidade do pesquisador influenciar parapsicologicamente – por ESP ou PK – os resultados de sua pesquisa.


DUPLO-CEGO

No caso da TCI, os ruídos ou sons que são interpretados como tendo uma origem paranormal, têm como agente o pesquisador ou não? Como saber? Esse é um problema que a própria Parapsicologia ainda não tem meios seguros para resolver. De qualquer forma, há algumas técnicas utilizadas pelos parapsicólogos que poderiam também ser empregadas pelos transcomunicadores para ao menos diminuir a possibilidade de que suas capacidades parapsicológicas fossem responsáveis pelos efeitos registrados. A principal delas provém igualmente da pesquisa científica tradicional e é conhecida como técnica do “duplo-cego”. Trata-se de uma situação na qual nem o pesquisador nem o sujeito experimental sabem qual é o efeito esperado.

É conhecido o uso dessa técnica na pesquisa de medicamentos, por exemplo. Os efeitos de um medicamento devem ser testados em um grupo de pessoas. Esse grupo é dividido em dois, e apenas metade dele recebe o medicamento, enquanto a outra metade recebe uma substância inócua, chamada de placebo. Ocorre que nem os sujeitos nem os pesquisadores sabem quem tomará o medicamento e quem tomará o placebo. As pessoas são codificadas e os frascos contendo as substâncias são enviados para elas de maneira aleatória. Apenas depois de um tempo pré-determinado de pesquisa e de registro das ocorrências fisiológicas dos sujeitos experimentais é que o pesquisador abrirá a “chave” que demonstra quais são as pessoas que tomaram cada substância. Esse procedimento garante o controle de algumas variáveis psicológicas como o relacionamento entre o pesquisador e o sujeito experimental, a profecia auto-cumpridora e a sugestão.

No caso da TCI, a técnica de duplo-cego não pode ser aplicada da mesma maneira, dadas as condições em que a pesquisa se desenvolve: não há sujeitos experimentais, já que o próprio pesquisador, sozinho, basta para a execução dos procedimentos. Por outro lado, é possível adaptar a situação de pesquisa de maneira a utilizá-la com a finalidade de reduzir a possibilidade de que capacidades parapsicológicas do pesquisador venham a impressionar, de alguma forma, as fitas e os arquivos gravados. Para isso, haveria que se construir uma situação de pesquisa em que as perguntas seriam pré-gravadas e o equipamento de gravação fosse ligado em momentos aleatórios, sem o conhecimento do pesquisador. Todos os equipamentos seriam ligados ao mesmo tempo – fonte de ruído, gravador que registraria o possível efeito esperado. Existem dispositivos no mercado (temporaziradores) de baixo custo e facilidade de emprego que poderiam ser utilizados sem a necessidade de se fazer adaptações.


O INCONSCIENTE

Se o pesquisador utiliza sistemas computadorizados, um programa de geração de eventos (períodos, no caso) aleatórios poderia ser adaptado para servir à mesma finalidade. O fundamento teórico dessa sugestão reside no conhecimento bem estabelecido de que o ser humano parece utilizar suas capacidades parapsicológicas em situações em que ele está envolvido, como em uma necessidade premente, uma informação necessária para a obtenção de algo que lhe é importante. A situação de pesquisa com períodos aleatórios não elimina a possibilidade de que, mesmo à distancia e desconhecendo conscientemente o momento em que o efeito é esperado, o pesquisador venha a produzir algum efeito parapsicológico.

Sabe-se que os fenômenos psi são determinados por princípios inconscientes e que para o inconsciente não há distancia temporal e/ou espacial. Entretanto, as pesquisas revelam que a utilização da técnica do duplo-cego reduz em muito essa possibilidade, provavelmente porque durante o período da seção experimental o pesquisador estaria fazendo uso de psi para finalidades relacionadas àquele momento, respeitando o princípio da economia neuropsicológica.

Mencionamos acima que a interpretação do efeito “paranormal” é, muitas vezes, impossível de ser atribuída ou não ao pesquisador.

Quando o efeito – uma voz, por exemplo – revela algum conhecimento paranormal, como o apelido de alguém ou um segredo aparentemente só aguardando pelo suposto espírito que estaria se comunicando e por uma pessoa viva, costuma-se, no meio espírita, preferir a hipótese da comunicação com os espíritos. No entanto, é importante que se tenha consciência dos efeitos como esses têm sido obtidos e registrados em toda a história da Parapsicologia, encontra-se a percepção extra-sensorial.

Toda a pesquisa realizada modernamente tem dado evidencias experimentais de que o ser humano possui a capacidade de conhecer, sob certas circunstancias, o conteúdo mental de pessoas que se encontram a distância no tempo e no espaço. Temos visto muitos espíritas se referirem ao inconsciente como uma espécie de arquivo morto, quando as pesquisas demonstram que, longe de ser apenas um depósito de informações, o inconsciente está em atividade, processando informações, associando-as, criando novos dados e, como demonstram as pesquisas parapsicológicas, recolhendo dados mesmo que estes estejam para além das possibilidades dos sentidos físicos conhecidos. Pensamos que a dificuldade em determinar a fonte – pessoas vivas ou não – é ainda um problema cientifico a ser resolvido, a não ser que coloquemos nossas crenças acima da pesquisa.


COMENTÁRIOS FINAIS

Os autores deste trabalho estão cientes de que se as sugestões apresentadas forem aceitas, os transcomunicadores terão que mudar seus procedimentos de pesquisa. No entanto, no curso de nossa pesquisa, acompanhamos várias alterações no procedimento, no emprego de diferentes equipamentos, no tipo de ruído utilizado, no questionamento de uma ou outra técnica. Isso nos deu a entender que há um interesse contínuo de melhorar a pesquisa, trazendo sempre elementos que tornariam os efeitos mais seguros e confiáveis.

Assim, não ditamos que exista qualquer resistência por parte daqueles que optarem por uma metodologia mais adequada aos preceitos seguidos por todas as ciências. Essa metodologia se faz necessária sobretudo num momento em que existem muitas pessoas envolvidas na pesquisa de TCI. Verificamos que há um clamor por uma padronização dos métodos e das técnicas utilizadas em TCI.

Desejamos que este artigo possa inspirar os pesquisadores de TCI. Mais do que adotar as sugestões aqui apresentadas, esperamos que reconheçam a necessidade urgente de se empregar uma metodologia confiável para o estudo em questão. Acreditamos que a pesquisa em TCI seja tão legítima quanto qualquer outra, e que apenas garantindo o controle rigoroso das variáveis apresentadas será possível convencer a comunidade científica e, talvez, a humanidade, da importância dos dados obtidos por essa técnica.

Nossa avaliação é de que a TCI está em franca evolução metodológica, mas ainda está longe de se igualar metodologicamente a qualquer outra ciência. Por outro lado, nenhuma ciência nasceu com o grau de evolução presente. Nosso esforço e desejo ao escrevermos este artigo foi o de oferecer meios objetivos, concretos, de acelerar tal evolução. Assim, mais do que expor nossas idéias, gostaríamos de nos comprometer com a pesquisa em TCI. Colocamo-nos, pois, à disposição de qualquer pesquisador para servirmos como observadores externos ou consultores em seus esforços investigativos para o desenvolvimento de suas técnicas de pesquisa.

Estamos, ainda, à disposição para discutir as sugestões apresentadas em foros especializados, oferecendo mais dados e soluções metodológicas do que o espaço deste artigo nos permitiu apresentar. De maneira graciosa e prazerosa, esperamos ajudar os que se nos apresentarem com objetivos de desenvolvimento de suas atividades de pesquisa.


Wellington Zangari
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Inter Psi/ Centro de Estudos Peirceanos/ Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica/ PUC-SP

Fátima Regina Machado
Pontifícia Universidade Católica - SP Inter Psi/ Centro de Estudos Peirceanos/ Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica/ PUC-SP

(Revista Espiritismo e Ciência 9, páginas 34-41)

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