A CARMEN, LA CARMEN... CARMA (UM CONTO PROJETIVO CÁRMICO)

Era uma cidade astral, com cúpulas, pontes e pomares, plasmada no meio de um sonho. Ele sabia que não estava lá por acaso. Uma força o atraia e impelia para um determinado ponto da cidade.

Uma praça. Uma praça circular. Uma praça circular com uma fonte. E ali, duas pessoas. Um homem e uma mulher. Não se tocavam, mas a aura de paixão que os envolvia unia-os mais do que um coito, era mais indecente do que uma cópula, era gritante o amor que pulsava entre os dois. O homem era um desconhecido. A mulher era Carmen, sua esposa.

Decidiu abordá-los. Não sabia o que ia dizer, mas começou a aproximar-se.

Sentiu que lhe seguravam pelo braço.

Um homem, em trajes antigos e rosto bondoso, deteve-o e soprou-lhe palavras, para dentro da mente:

"Deixe-os, é um amor cármico, tem sido assim por muitas vidas, para eles, e assim permanecerá por outras mais... Não há nada que você possa fazer, exceto resignar-se. Talvez você esteja sendo submetido a uma prova, que hoje lhe parece árdua, mas..."

Puxou o braço, num repelão e afastou-se, sem ouvir mais, querendo desviar os olhos daquilo que via, mas sem conseguir...

Estava de novo em seu quarto, parcialmente desperto, metade da alma ainda lá, na cidade do sonho, e agora olhava a mulher, adormecida na cama, o alvo pescoço destacando- se contra as cobertas, branco e convidativo, como se aguardasse, como se pedisse um beijo ou uma carícia... do outro.

A Carmen, La Carmen, O Carma, murmurou, dando nome às idéias que se associavam dentro dele.

Envolto em névoas de sonho e amargura, foi até a cômoda, abriu uma gaveta e apanhou a longa faca gaúcha que comprara alguns anos antes, na viagem de núpcias (leve, doutor, vai lhe trazer sorte...), sem saber ao certo se aquilo que sua mão agora empunhava era uma adaga de sonho, ou real...


- Benê -

- Nota: Carma (do sânscrito “Karma”): Ação; Causa; É a lei de causa e efeito universal.

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