UMA ÁRVORE DE CDs

Faz um ano que encontrei minha alma gêmea, e faz sessenta e quatro anos que ela me encontrou.
Explico: encontramo-nos, um dia, em uma projeção. Ou melhor, numa noite, em dezembro de 2002, em que saí do corpo, como num sonho, numa viagem astral.

Nem sei se posso chamar de “viagem”, pois nesse sonho fui parar exatamente no mesmo lugar em que moro. Não sei se dá para entender, mas era a mesma casa, só que toda reformada, modernizada...
Marina (é esse o nome dela) também mora lá, quer dizer, mora aqui, ou vai morar aqui, mas no ano de 2066. Eu havia me projetado no futuro, quando a encontrei. Que engraçado... para mim era o futuro, para ela era o presente... Mas o fato é que encontramo-nos no terraço de casa, e não foi preciso mais nada para que soubéssemos que pertencíamos, pertencêramos e pertenceríamos sempre um ao outro. Naquela noite ficamos juntos pelo resto do tempo que nos foi possível - umas exíguas duas horas, no máximo - já sentindo saudades, por saber que dificilmente voltaríamos a nos encontrar, mesmo em sonhos, nesta vida... ou sequer nas próximas, caso houvessem, devido a nossos desencontros reencarnatórios...
Mesmo assim, antes de regressar a meu tempo, sugeri escrever-lhe, de alguma forma. Sabia que para ela seria impossível mandar mensagens para o passado, mas eu poderia deixar-lhe as minhas, lá no meu mundo, para que ela as encontrasse, mais de meio século depois, no mundo dela. Pensei no que de mais moderno existia em meu tempo, e perguntei-lhe se aqui/lá em 2066 ainda se liam CDs. Ela sorriu e disse que ainda era possível encontrar algumas máquinas antigas em bom estado, nos antiquários. Combinamos então que eu gravaria CDs com mensagens minhas para ela, e os penduraria nos galhos de uma paineira que existia no jardim de “nossa” casa, para que ela os encontrasse. Sabíamos que ninguém mexeria neles ao longo do tempo, pois naquela mesma projeção já podíamos ver todos os meus CDs (e eram muitos, eu vi) pendurados na árvore, lá mesmo onde eu os colocara... no passado.
E assim vai seguindo minha vida. Minha paixão por Marina aumenta a cada dia, e escrevo para ela sem cessar...
O pessoal estranha, acha que eu não ando bem da cabeça, mas é bem gostoso olhar para a árvore, principalmente no fim da tarde, quando a luz do sol parece arrancar uma miríade de cores dos CDs que vou pendurando em seus galhos...
Não tenho como saber se Marina vai ler minhas poesias, nem mesmo tenho como saber se ela existe ou existirá realmente... Mas minha árvore de CDs está ficando cada vez mais bonita...

- Bene -

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