QUATRO CONDUÇÕES

O rapaz tinha 17 anos, mas poderia ter 25, 32 ou 52, pois já carregava no olhar o peso das decisões, o mundo nos ombros e o futuro na próxima opção. Devia estar na escola, aprendendo a ler sobre a história do mundo, mas estava ali naquela fila escrevendo a própria estória, esperando por uma chance de tudo mudar.

Numa época em que as opções são tomadas inspiradas em quem está do lado, o pai ausente e a mãe alcoólatra deixaram a estrada aberta para os amigos das esquinas da vida fácil lhe apresentarem o dinheiro rápido nos pequeno furtos, nos pequenos assaltos que levam o dinheiro do bolso para as lojas do shopping, para o mundo que um garoto de periferia não tem acesso se tiver a carteira vazia. Mundo do tênis de marca, do cinema e pipoca com gatinha; da aceitação e do triunfo.
Se ao menos o dinheiro durasse um pouco mais, ele sempre pensara preocupado, mas os amigos garantiam que assim que a carteira esvaziasse, haveria sempre um novo furto os esperando.

O que eles esqueceram de dizer é que toda mentira é revelada e todo ladrão um dia é pego, e enjaulado como um pássaro que tem suas asas cortadas e não pode mais voar por um tempo que vira eternidade.

Sempre ouvira falar da FEBEM, os garotos a chamavam de Escola, os jornais e a TV a chamavam de Inferno, e foi com lágrimas nos olhos que ele virou estatística junto com um bando de moleques que deveriam estar na rua jogando bola, e não queimando colchão e levando porrada em cativeiro.

Por isso, e porque dentro dele havia essa força que ergue campeões e inspira o mundo inteiro, ele decidira que não freqüentaria as aulas de pancada, muito menos as lições de desespero, e com paciência, muita paciência, ele aprenderia qualquer lição que aquele lugar lhe oferecesse e que o impedisse de retornar para o crime que certamente o traria para a FEBEM novamente.

Entre aulas de música e explicações do que era poesia, ele descobriu que as mesmas mãos que destroem, também constroem cadeiras, mesas, guarda-roupas. E guardou esperança.

Quando houve a primeira rebelião e surgiu a chance de escapar, ele decidiu ficar e esperar a eternidade passar. Usando a paciência que aprendera com a falta de liberdade, paciência que a cada dia recuperava suas asas que já não estavam mais cortadas e dentro de mais em pouco o faria voar novamente.

E ele voou, mas o céu virou obstáculo, e a liberdade tão esperada, quando enfim alcançada, tornou-se uma muralha que ele tentara escalar todos os dias em busca do homem que ele queria se tornar, mesmo embora o moleque que adorava a vida fácil, volta e meia, o atentasse nas ofertas generosas dos amigos e nas frustradas tentativas de arranjar um emprego.

Porém, mesmo depois de mil tentativas e mil portas fechadas, o nosso herói moderno continua usando o dinheiro da “breja” e das noitadas para pagar as quatro conduções que o levam todos os dias para o centro da cidade de São Paulo, para as filas de desempregados da rua Barão de Itapetininga, onde não só ele, mas centenas de outros garotos e adultos tentam vencer na vida da maneira mais difícil que existe: a maneira honesta.

Seu tênis de boca aberta, colado com super-bonder, e seus jeans surrados podem ser vistos essa manhã no centro de Sampa, comendo o hot-dog-almoço que vem com suco grátis. Ele está lá agora mesmo aguardando com ansiedade que a próxima fila lhe garanta um emprego, tanto quanto espera que a menininha do colégio que freqüenta à noite, algum dia lhe dê um beijo.


- Frank -
Londres, 15 de Fevereiro de 2004.

- Nota de Wagner Borges: Frank é o pseudônimo do nosso amigo Francisco, participante do grupo de estudos do IPPB e da lista Voadores, que atualmente mora em Londres. Ele escreve textos muito inspirados e nos autorizou a postagem desses escritos. Há diversos textos dele postados em sua coluna da revista on line de nosso site, e em nossa seção de textos projetivos e espiritualistas em meio aos diversos textos já enviados anteriormente.

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