O LADO OCULTO DA MÚSICA
(Uma Experiência de Expansão da Consciência com a Música)
- Por David Tame -
Uma noite, em Londres, fui a uma audição dos Concertos de Brandenburgo de Bach. Sentando-me, troquei algumas palavras com meu companheiro e me deleitei olhando ao redor pelo maravilhoso Royal Festival Hall, à proporção que ele principiava a encher-se. Mas, quando os músicos apareceram, inclinaram-se diante da platéia e puseram-se a afinar seus instrumentos; comecei a percebê-la vagamente. Alguma coisa muito diferente e única estava escondida ali. Não podia ser vista nem ouvida, mas eu lhe sentia a presença, e ela parecia estar se aproximando!
E quando os músicos se prepararam para dar inicio ao concerto e o público silenciou, essa alguma coisa, desconhecida saturou o ar com um poder crepitante, prenhe, de que ninguém mais parecia haver se apercebido.
- Por David Tame -
Uma noite, em Londres, fui a uma audição dos Concertos de Brandenburgo de Bach. Sentando-me, troquei algumas palavras com meu companheiro e me deleitei olhando ao redor pelo maravilhoso Royal Festival Hall, à proporção que ele principiava a encher-se. Mas, quando os músicos apareceram, inclinaram-se diante da platéia e puseram-se a afinar seus instrumentos; comecei a percebê-la vagamente. Alguma coisa muito diferente e única estava escondida ali. Não podia ser vista nem ouvida, mas eu lhe sentia a presença, e ela parecia estar se aproximando!
E quando os músicos se prepararam para dar inicio ao concerto e o público silenciou, essa alguma coisa, desconhecida saturou o ar com um poder crepitante, prenhe, de que ninguém mais parecia haver se apercebido.
E, logo, literalmente a partir da primeira nota, o momento eterno se achou sobre mim. Apesar disso, eu já estava muito longe de poder refletir conscientemente sobre ele, pois a experiência, totalmente avassaladora e oniabrangente, não deixava espaço nenhum para qualquer outra atividade mental a não ser as percepções para as quais minha mente parecia haver-se aberto.
Dir-se-ia que o meu corpo principiasse a viver luz; meu coração era um fogo que flamejava, consumindo-me as impurezas da alma. Minhas percepções estavam abertas como se sempre tivessem estado, ate então, firmemente cerradas. Eu nunca ouvira música daquela maneira! O que ouvira muitas vezes, até aquele momento, como sons abstratos, agora eram Som – entrelaçamento tangível, vivo, de uma filigrana de precisão matemática, que eu quase podia pegar e tocar e, virtualmente, ver à medida que fluía do primeiro violino. Todas as notas pendiam suspensas do ar, eternas e imaculadas, imunes a todas as capacidades de descrição verbal. Meu corpo se congelou numa rigidez semelhante à coma, enquanto minha mente se ligava ao acorde seguinte. Por vários e longos minutos perdi o conhecimento de mim mesmo. A pura beleza de tudo aquilo era indescritível. Desde o primeiro compasso, lágrimas silenciosas fluíam de meus olhos fitos, sempre abertos.
O Quinto Concerto de Brandenburgo estreara o sarau e, no instante em que a visão sublime se diria prestes a dissipar-se, começou o solo único de cravo. Mais uma vez fui arrebatado para além de mim mesmo, e vi a música de um modo nunca dantes percebido. Os longos arpejos de fuga trilavam através do ar como ondas visíveis emanadas de uma essência divina, uma atrás da outra, enchendo toda a sala e passando, através das paredes, para a cidade. Não posso dizer que eu visse as ondas musicais, pois o processo não me envolvia os olhos; apesar disso, de um modo ou de outro, eu as vi. Eu vi a música!
Quando os outros instrumentos tornaram a entrar com inenarrável beleza, ainda mais se reforçou a impressão de ondas emanadas de uma bondade tangível. Dir-se-ia que a musica possuísse uma energia definida e muito real, que se irradiava para além da sala em todas as direções. Minha consciência parecia abranger toda a cidade. Por alguns momentos tive a impressão de estar olhando de um ponto de vista que me revelava toda a extensão urbana; não só a cidade visível, física, mas também as forças subjacentes, causativas, que a afeiçoavam e moldavam. Ocorreu-me a compreensão de que aquela música, ao irradiar-se, agia, de certo modo, como força de sustentação e robustecimento para toda a área circundante.
Quando me voltou a consciência do corpo, sentado na poltrona no Royal Festival Hall, ficou-me a impressão de que o concerto, de certo modo, era uma luz brilhante no meio de um grande e caótico mar de trevas. As trevas ameaçavam avançar sobre a chama e extingui-la para sempre. Nunca me esquecerei desta sensação: uma sensação que não era de medo, senão das mais profunda e grave preocupação; da vasta importância da música que eu estava ouvindo, da mais profunda gratidão pela oportunidade de experimentá-la, e de que ela devia ser, a todo custo, preservada para a humanidade do futuro.
Durante séculos, as experiências místicas tem sido tema de debates entre os filósofos, mas, ate o dia de hoje, ainda não se chegou a um consenso geral a cerca da realidade de tais experiências. São elas menos reais, igualmente reais ou mais reais do que a nossa experiência habitual da vida cotidiana? Julgue cada qual por si mesmo. Entretanto, é interessante saber que experiências visionárias e místicas têm proporcionado a inspiração inicial de muitas das maiores invenções do mundo e de grandes progressos científicos; até as dos gigantes do espírito humano, como Albert Einstein e Nikola Tesla.
Cumpre observar que, segundo relatos de tais experiências, feitos por outros, a não ser que tenhamos a estatura de um Ramakrishna ou de um São João da Cruz, elas ocorrem às pessoas quando estas menos as esperam – e depois se vão, sendo aparentemente impossível recapturá-las ou chamá-las de volta. Inconstantes e loucas como se tivessem mentes próprias; pois nossas mesmas imperfeições nos impedem de incorporar tais experiências numa base permanente. Ou, como o diriam os místicos: A visão da realidade transcendente é permanente e eterna, e nós e que insistimos em ser inconstantes e loucos em nossa relação com o Supremo.
Os cristãos podem estar certos quando falam da graça divina. Aos que andam em busca da verdade, parece ser amiúde concedido como que um período de “lua-de-mel” espiritual. Todos os tipo de experiências e revelações lhes acodem nos primeiros dias de busca e, nessa ocasião, tudo se passa como se Toda a verdade já lhes pertencesse. Mas depois se acaba a lua-de-mel, e as pessoas verificam que lhes foi facultada uma visão de meta, como se fosse um incentivo para dirigirem-se à ela. Por uns poucos meses, ou um ano, retirou-se o véu dos buscadores, mas apenas como temporário ato de graça, outorgado pelo destino. E agora lhes cabe a obrigação de reclamar a visão e conhecimento através de seus esforços desajudados. A verdade nos foi concedida temporariamente, mas só para podermos ser estimulados a encontrar o nosso próprio caminho ao longo da extensa e difícil vereda que conduz à sua habitação permanente.
Olhando agora para trás, vejo que a minha experiência daquela noite foi um dos principais pontos de partida que finalmente resultou no desenvolvimento deste livro. Só mais tarde descobri quão estreitamente se achava a ocorrência daquela noite ligada à concepção que tinha os antigos da música e do seu poder inato.
(Texto extraído do livro “O Poder Oculto da Música” – Editora Cultrix.)
Dir-se-ia que o meu corpo principiasse a viver luz; meu coração era um fogo que flamejava, consumindo-me as impurezas da alma. Minhas percepções estavam abertas como se sempre tivessem estado, ate então, firmemente cerradas. Eu nunca ouvira música daquela maneira! O que ouvira muitas vezes, até aquele momento, como sons abstratos, agora eram Som – entrelaçamento tangível, vivo, de uma filigrana de precisão matemática, que eu quase podia pegar e tocar e, virtualmente, ver à medida que fluía do primeiro violino. Todas as notas pendiam suspensas do ar, eternas e imaculadas, imunes a todas as capacidades de descrição verbal. Meu corpo se congelou numa rigidez semelhante à coma, enquanto minha mente se ligava ao acorde seguinte. Por vários e longos minutos perdi o conhecimento de mim mesmo. A pura beleza de tudo aquilo era indescritível. Desde o primeiro compasso, lágrimas silenciosas fluíam de meus olhos fitos, sempre abertos.
O Quinto Concerto de Brandenburgo estreara o sarau e, no instante em que a visão sublime se diria prestes a dissipar-se, começou o solo único de cravo. Mais uma vez fui arrebatado para além de mim mesmo, e vi a música de um modo nunca dantes percebido. Os longos arpejos de fuga trilavam através do ar como ondas visíveis emanadas de uma essência divina, uma atrás da outra, enchendo toda a sala e passando, através das paredes, para a cidade. Não posso dizer que eu visse as ondas musicais, pois o processo não me envolvia os olhos; apesar disso, de um modo ou de outro, eu as vi. Eu vi a música!
Quando os outros instrumentos tornaram a entrar com inenarrável beleza, ainda mais se reforçou a impressão de ondas emanadas de uma bondade tangível. Dir-se-ia que a musica possuísse uma energia definida e muito real, que se irradiava para além da sala em todas as direções. Minha consciência parecia abranger toda a cidade. Por alguns momentos tive a impressão de estar olhando de um ponto de vista que me revelava toda a extensão urbana; não só a cidade visível, física, mas também as forças subjacentes, causativas, que a afeiçoavam e moldavam. Ocorreu-me a compreensão de que aquela música, ao irradiar-se, agia, de certo modo, como força de sustentação e robustecimento para toda a área circundante.
Quando me voltou a consciência do corpo, sentado na poltrona no Royal Festival Hall, ficou-me a impressão de que o concerto, de certo modo, era uma luz brilhante no meio de um grande e caótico mar de trevas. As trevas ameaçavam avançar sobre a chama e extingui-la para sempre. Nunca me esquecerei desta sensação: uma sensação que não era de medo, senão das mais profunda e grave preocupação; da vasta importância da música que eu estava ouvindo, da mais profunda gratidão pela oportunidade de experimentá-la, e de que ela devia ser, a todo custo, preservada para a humanidade do futuro.
Durante séculos, as experiências místicas tem sido tema de debates entre os filósofos, mas, ate o dia de hoje, ainda não se chegou a um consenso geral a cerca da realidade de tais experiências. São elas menos reais, igualmente reais ou mais reais do que a nossa experiência habitual da vida cotidiana? Julgue cada qual por si mesmo. Entretanto, é interessante saber que experiências visionárias e místicas têm proporcionado a inspiração inicial de muitas das maiores invenções do mundo e de grandes progressos científicos; até as dos gigantes do espírito humano, como Albert Einstein e Nikola Tesla.
Cumpre observar que, segundo relatos de tais experiências, feitos por outros, a não ser que tenhamos a estatura de um Ramakrishna ou de um São João da Cruz, elas ocorrem às pessoas quando estas menos as esperam – e depois se vão, sendo aparentemente impossível recapturá-las ou chamá-las de volta. Inconstantes e loucas como se tivessem mentes próprias; pois nossas mesmas imperfeições nos impedem de incorporar tais experiências numa base permanente. Ou, como o diriam os místicos: A visão da realidade transcendente é permanente e eterna, e nós e que insistimos em ser inconstantes e loucos em nossa relação com o Supremo.
Os cristãos podem estar certos quando falam da graça divina. Aos que andam em busca da verdade, parece ser amiúde concedido como que um período de “lua-de-mel” espiritual. Todos os tipo de experiências e revelações lhes acodem nos primeiros dias de busca e, nessa ocasião, tudo se passa como se Toda a verdade já lhes pertencesse. Mas depois se acaba a lua-de-mel, e as pessoas verificam que lhes foi facultada uma visão de meta, como se fosse um incentivo para dirigirem-se à ela. Por uns poucos meses, ou um ano, retirou-se o véu dos buscadores, mas apenas como temporário ato de graça, outorgado pelo destino. E agora lhes cabe a obrigação de reclamar a visão e conhecimento através de seus esforços desajudados. A verdade nos foi concedida temporariamente, mas só para podermos ser estimulados a encontrar o nosso próprio caminho ao longo da extensa e difícil vereda que conduz à sua habitação permanente.
Olhando agora para trás, vejo que a minha experiência daquela noite foi um dos principais pontos de partida que finalmente resultou no desenvolvimento deste livro. Só mais tarde descobri quão estreitamente se achava a ocorrência daquela noite ligada à concepção que tinha os antigos da música e do seu poder inato.
(Texto extraído do livro “O Poder Oculto da Música” – Editora Cultrix.)