O CÉREBRO E AS VIAGENS ASTRAIS

Está cada vez mais claro que o hipotálamo, e mais especificamente o sistema límbico, encontram-se envolvidos, de alguma maneira, mas experiências extracorpóreas.

Dr. Luiz Otávio Zahar
Cientistas, no mundo inteiro, pesquisam o que acontece no cérebro humano durante as experiências místicas, viagens astrais e na meditação. Hipotálamo, sistema límbico, serotonina, monoaminoxidase, endorfinas, dimetiltriptamina... Eram os deuses neuropeptídios?

Meu interesse no estudo das relações existentes entre a fisiologia do cérebro, o uso de drogas psicoativas, e as viagens astrais começou em 2000, quando começaram a surgir relatos, entre usuários da droga quetamina, da ocorrência de experiências extracorpóreas. As experiências extracorpóreas, também conhecidas como viagens ou projeções astrais, são as experiências, normalmente curtas, de se sentir fora do corpo, como se o foco da consciência estivesse num ponto diferente daquele habitual – o corpo.

A quetamina é um anestésico dissociativo desenvolvido na década de 60, usado, principalmente, em medicina veterinária. Seu uso se faz por injeção intramuscular, mas seu uso recreativo acontece, habitualmente, pela inalação do pó da droga.

Os efeitos descritos pelos usuários desta droga incluem: sedação leve, pensamentos oníricos, lentificação psicomotora, sensação de estar mais sociável e de captar o mundo de um modo diferente e mais interessante. Náuseas e vômitos são freqüentemente relatados. Sintomas paranóides e a percepção de um padrão de coincidências em tudo o que vêem podem ser observados em alguns indivíduos. Sedação pronunciada pode expor os usuários a riscos. Ao contrário da maior parte dos psicodélicos, a quetamina pode causar dependência.

Outro efeito descrito em usuários de quetamina é a experiência conhecida em nosso meio como experiência da quase-morte (EQM) ou experiência próxima da morte. Trata-se de uma experiência em que também ocorre a sensação de sair do corpo.

A experiência é geralmente descrita como envolvendo uma sensação de extrema paz, um som semelhante a uma campainha ou um zumbido, uma passagem nas trevas (ou túnel) e, a seguir, uma passagem para a luz. Contudo, a pouca investigação neste campo indica que estas sensações se obtêm em situações que afetam o estado do cérebro, como paradas cardíacas e anestesias.



O CÉREBRO E AS EXPERIÊNCIAS MÍSTICAS

O pesquisador neozelandês Karl Jansen reproduziu as EQMs utilizando a quetamina.

Esta descoberta abriu campo para uma nova linha de pesquisa. Existem, no cérebro, células receptoras da quetamina. Estas mesmas células, quando ativadas, reproduzem experiências místicas ou paranormais. Seria o cérebro a chave para a compreensão dos fenômenos místicos, para as viagens astrais, para os estados extáticos dos santos?

Em 2002, o pesquisador suíço Olaf Blanke publicou um importante trabalho na revista inglesa Nature, onde descreve o desencadeamento de experiências extracorpóreas em pacientes que se encontravam em cirurgias para o tratamento de epilepsia, através da estimulação elétrica de certas áreas do cérebro, mais precisamente da área do giro angular direito (giro do cíngulo). Os médicos da equipe de Olaf Blanke, dos Hospitais Universitários de Genebra e Lausanne, acreditam que o giro angular seja o local onde a informação visual é associada com o sistema de representação do corpo através de dados sensoriais, como o tato.

A experiência extracorpórea, também conhecida como viagem astral, projeção astral ou projeção da consciência, tem sido descrita em toda história da humanidade. A crença habitual é a de que seria a exteriorização de um corpo energético para fora do corpo físico, levando consigo o foco da consciência. Estudos tentando comprovar a realidade da ocorrência foram realizados, principalmente na década de 60, mas nenhum trabalho publicado conseguiu, de forma totalmente conclusiva, comprovar sua realidade.

Os pesquisadores acreditam que muitas variáveis estejam envolvidas no processo e que não seria possível, nos dias atuais, anular todos os vieses de confundimento e conseguir uma experiência com total comprovação.

A droga quetamina, que se mostrou capaz de desencadear o fenômeno de saída do corpo, age principalmente no sistema límbico. O sistema límbico (também conhecido como cérebro emocional) é um grupo de estruturas que inclui hipotálamo, tálamo, amídala, hipocampo, os corpos mamilares e o giro do cíngulo. Todas estas áreas são muito importantes para a emoção e reações emocionais. O hipocampo também é importante para a memória e o aprendizado.

Outra droga, a dimetiltriptamina (DMT), naturalmente excretada pela glândula pineal, e que desempenha um papel no processo de sonhar e possivelmente nas experiências próximas à morte e em outros estados místicos. Encontra-se também em chás alucinógenos utilizados em seitas religiosas e práticas rituais indígenas (Santo Daime, União do Vegetal) e também parece provocar experiências extracorpóreas.

A mistura das duas plantas potencializa a ação das substâncias ativas, pois o DMT é oxidado pela MAO (enzima monoaminoxidase), a qual está inibida pela harmina, acarretando um aumento nos níveis de serotonina, o que causa impulsão motora para o sistema límbico no sentido de aumentar a sensação de bem-estar do indivíduo, criando condições de felicidade, contentamento, bom apetite, impulso sexual, equilíbrio psicomotor e alucinações.

Parece cada vez mais claro que o hipotálamo, e mais especificamente o sistema límbico, encontram-se envolvidos, de alguma maneira, nas experiências extracorpóreas.

O neurocientista português Antônio Damásio, pesquisador da Universidade de Iowa, Estados Unidos, e autor do livro O mistério da consciência, assim escreveu: “Os fenômenos mentais se integram verdadeiramente ao corpo tais como eu os visualizo, e são capazes de dar lugar às mais altas operações, como aquelas que revelam a alma e o nível espiritual. Sob meu ponto de vista, não obstante, todo o respeito que devemos concordar em noção da alma, podemos dizer que por último, esta reflete somente um estado particular e complexo do organismo”.

Neurotransmissores e neuropeptídios: Os principais neurotransmissores do cérebro são: glutamato, ácido gamaaminobutírico (GABA), acetilcolina, norepinefrina, dopamina, serotonina e os peptídios que são substâncias químicas (cadeias de aminoácidos) produzidas nas células nervosas do cérebro (embora conste que também possam ser fabricadas por outras células nervosas do corpo). Estas substâncias têm receptores nas células do cérebro. Cada neuropeptídio tem o seu próprio receptor e função. Um neuropeptídio não se encaixa no receptor do outro, e hoje em dia, já se conhecem mais de 200 neuropeptídios.



O CÉREBRO E AS EMOÇÕES

O teósofo inglês Arthur E. Powell considerava o corpo astral como o veículo, par excellence, dos sentimentos, por isso conhecido como corpo emocional. Coincidentemente, sabe-se hoje que as áreas relacionadas com os processos emocionais ocupam territórios bastante grandes do cérebro, destacando-se entre elas, o hipotálamo, a área pré-frontal e o sistema límbico. Ao que parece, o hipotálamo tem um papel preponderante como coordenador das manifestações periféricas das emoções. Encontra-se também amplamente confirmado, hoje em dia, que o sistema límbico e suas conexões, está fortemente ligado às manifestações emocionais

Ao que tudo indica, existem no cérebro grandes áreas relacionadas às emoções, que se encontram fortemente ativas durante as experiências místicas, os estados meditativos, as experiências extracorpóreas e as experiências próximas à morte. Do mesmo modo, dois pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, Andrew Newberg e Eugene d´Aquili, que escreveram o livro Why God won´t go away, estudaram grupos de meditantes budistas e freiras franciscanas em oração, e comprovaram que em estado de oração ou meditação profunda ocorre uma diminuição drástica da atividade cerebral no lobo parietal superior, justamente a mesma área do cérebro responsável pelo senso de orientação no tempo e no espaço, bem como a diferenciação entre o indivíduo e os demais seres e coisas.

As imagens dos lobos temporais, onde repousa o chamado “cérebro emocional” ou sistema límbico, mostraram, neste mesmo estudo, uma atividade redobrada durante o estado contemplativo dos sujeitos estudados.

Por todo o exposto, parece que nosso cérebro foi preparado com bastante meticulosidade para a experiência transcendental. Será que este fato encerra toda a discussão à respeito da existência de Deus, das viagens astrais e da vida espiritual? Longe disso, os estudos do cérebro estão apenas começando, e muito, mas muito mesmo, falta para ser estudado a respeito. Por outro lado, uma vez que aqui estamos no corpo físico, e estas portas neurofisiológicas se abrem para o estudo, seria um erro desprezá-las e considerá-las apenas mais um modismo da ciência.

Para aqueles que conseguem realizar viagens astrais conscientes, não existe nenhuma dúvida: o corpo astral (psicossorna) sai do corpo – e com ele, a consciência durante o sono e a ele retorna ao despertar.

Para os céticos, tudo acontece dentro dos limites do cérebro e, somente através dos estudos nas áreas da neurologia poderemos compreender estes eventos.

Nosso estudo não tem a pretensão de oferecer respostas definitivas. É possível que a projeção astral, a saída consciente do corpo, seja uma realidade, mas este fato, por si só, não significa que o cérebro não esteja envolvido no processo, e quem sabe, esteja nele a chave que abre as portas para novas dimensões da consciência.

(Extraído da Revista Cristã de Espiritismo, nº 29, páginas 30-32)

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