ANJOS NO CÉU E NA TERRA
Diz-se que os anjos estão conosco a cada segundo de nossa existência, zelando, protegendo e levando nossas mensagens a Deus. Para alguns arqueólogos e antropólogos, a presença dos anjos entre os humanos pode ser ainda anterior às mais antigas culturas conhecidas.
Gilberto Schoereder
Gilberto Schoereder
Meu anjo. Anjo da guarda. Anjo da morte. Anjo de luz. Anjo das trevas. Anjo bom, anjo mau. Anjos que anunciam boas novas; anjos encarregados de vingança. Anjo que nos leva para o outro e melhor lado da existência; anjo que nos expulsa do paraíso.
A história dos anjos ocorre concomitante à história humana e, de alguma forma, parece refleti-la. A presença dos anjos no universo é como um espelho da nossa presença na Terra, um resumo de nossas idéias, sentimentos, ambições, virtudes e falhas. Uma história igualmente repleta de contradições. E isso pode ser verdadeiro qualquer que seja a aproximação que se faça ao assunto.
Por exemplo, existem aqueles para quem os anjos nada mais são do que representações simbólicas de nosso inconsciente. E existem aqueles para os quais os anjos são seres de fato, não apenas símbolos, mas indivíduos criados por Deus, e habitando uma dimensão diferente da nossa, ainda que possam interferir em nosso mundo. Ou ainda – como pretendem alguns pesquisadores de nosso passado distante – seres reais, porém com origem extraterrestre, que interferiram em nossa evolução de uma forma ou de outra.
Não importa, nesse caso, porque para nós a história deles começa quando começa a nossa.Com raras exceções, eles surgem em várias civilizações, desde a Suméria, ainda que talvez nunca tenham estado tão presentes quanto hoje em dia. São utilizados de forma contraditória pelos humanos; tidos como imagens do mundo espiritual, mensageiros de Deus, uma espécie de elo de ligação entre o nosso mundo e o divino, em grande parte os anjos foram transformados em emblemas da superficialidade humana, representada pelo consumismo.
Hoje existem figurinhas de anjos, cartas de anjos, abajures-anjo, descanso de copo, velas, pingentes, quadros, etc etc.Isso para não falar das milhares de formas de se comunicar com nossos próprios anjos, ancorar os anjos (seria para mantê-los sempre próximos a nós?), pedir coisas e mais coisas aos anjos. Tudo explicado (e, quase sempre, pago) nos livros, revistas, sites da internet, programas de rádio, televisão, vídeos, CDs, palestras, workshops, vivências e outros eventos cujos os títulos ainda vão ser inventados nos próximos anos, quando conceitos como vivências e workshops estiverem ultrapassados.
É claro que, no passado, os anjos também foram retratados das mais diversas formas, e o acesso ao ¨conhecimento¨ sobre eles estava restrito a uma ordem especial de pessoas que detinham o poder religioso. Hoje em dia, é possível que uma pessoa comum, um jornalista, por exemplo, fale sobre os anjos com muito mais embasamento do que uma pessoa comum do século 15. Mas a mistureba que se faz com o assunto é impressionante.
O ROCK PROGRESSIVO TEM UM ÁLBUM CLÁSSICO chamado Pawn Hearts (1971), do grupo Van der Graaf Generator. Nele, o músico Peter Hammill canta: “Os anjos vivem dentro de mim, eu posso senti-los sorrir. Sua presença apazigua e acalma a tempestade em minha mente, e seu amor pode curar todas as feridas que eu criei. Eles cuidam de mim enquanto eu caio. Eu sei que vou ser sustentado, enquanto os anjos viverem”. Na mesma canção, ele também diz que o assassino vive dentro dele.
É apenas um exemplo de uma das centenas ou milhares de concepções existentes sobre os anjos: assim como temos nossos demônios interiores, também temos nossos anjos.
Hoje em dia, esses conceitos podem ser encontrados, além dos livros – sagrados ou não – em milhares de textos espalhados pela internet, e vão dos mais óbvios e simples aos mais complexos, bem ou mal elaborados. Tem para todos os gostos, nessa época em que as idéias circulam pelo mundo numa velocidade que tenta se aproximar à dos anjos.
Uma dessas idéias procura aproximar a elaboração do conceito dos anjos às variadas figuras de homens-voadores, homens-alados ou homens-pássaros que surgem nas mais diferentes culturas do planeta, do Zimbábue ao Peru. Para alguns antropólogos, o conceito em si pode estar relacionado com os sonhos em que temos a sensação de voar, uma capacidade que tem fascinado a humanidade desde sempre.
A palavra anjo deriva do grego angelos, que por sua vez é considerada uma tradução do hebraico mal’akh, cujo significado é “mensageiro”. E, ainda que as figuras aladas surjam em quase todo o mundo, acredita-se que o anjo em si tenha surgido no Oriente Médio. Provavelmente já na Suméria, o que não seria de se estranhar, uma vez que outras narrativas bíblicas tem sua origem na mesma civilização.
Alguns cientistas entendem que os primeiros trabalhos de arte mostrando seres alados provêm da Suméria, que possuía uma religião complexa, repleta de deuses e espíritos, e o que se convencionou chamar de “mensageiros dos deuses”, seres que se deslocavam entre os deuses e os humanos.Da mesma forma,diz-se que os sumerianos acreditavam que cada pessoa tinha uma espécie de “fantasma”, que hoje em dia alguns associam aos anjos de guarda, e que eram uma companhia constante das pessoas ao longo de suas vidas.
Quando os povos semíticos conquistaram a Suméria, por volta de 1.900 a.C., eles assumiram os conceitos a respeito dos anjos; da mesma forma, dividiram-nos em grupos, respondendo aos também diversos deuses semíticos, e criaram hierarquias. Mais tarde, essas hierarquias foram ainda mais aprimoradas no zoroastrismo e no judaísmo monoteísta; além do que se acredita que deve haver uma relação entre teologia sumeriana e a egípcia.
CIENTISTAS TEM SUGERIDO QUE A NOÇÃO DA EXISTÊNCIA de anjos não se desenvolveu na Suméria por acaso; ou seja, ela tem uma origem anterior, no que se poderia chamar de período xamânico. Um dos exemplos dessa cultura poderia ser encontrada em Çatal Hüyük, na região da Anatólia, Turquia. No sítio arqueológico foram encontradas doze cidades superpostas, a mais antiga datando de cerca de 9.000 a.C. Existem evidências de que ali se realizava um tipo de culto envolvendo pássaros e, posteriormente, a figura de um deus-abutre, responsável por remover a alma dos mortos. E, num dos murais encontrados, existe a figura de um humano vestido com a pele de um abutre.
As “habilidades” dos seres alados da Suméria – como poder voar para lugares que pessoas comuns não podem atingir e servir de intermediários entre o mundo humano e outros mundos mais elevados – são também considerados atributos dos xamãs, nas mais diferentes culturas.
Os arqueólogos e antropólogos são cuidadosos ao tentar estabelecer essa “conexão xamânica”, mas cita-se ainda outra descoberta que pode estar relacionada, essa feita no Curdistão, nos anos 50, numa caverna utilizada para enterros pelo povo conhecido como Zawichami por volta de 8.870 a.C. Nesse local, os arqueólogos e antropólogos Rose e Ralph Solecki encontraram ossos de grandes aves predadoras, incluindo vários tipos de abutres e águias. Em 1977, Rose Solecki publicou um artigo no qual estabelece uma conexão entre o xamanismo do Curdistão e o de Çatal Hüyük.
O erudito curdo Mehrdad Izady é um dos que acredita que o culto xamânico relacionado aos pássaros predadores influenciou o desenvolvimento na noção dos anjos. A região do Curdistão originou três cultos aos anjos, o mais famoso deles e de Yezidis, do Iraque, centrado na figura de uma entidade angélica suprema chamada Melek Taus, o “anjo-pavão”. Esse anjo é frequentemente mostrado na forma de um ícone de um pássaro estranho conhecido como sanjag. Segundo Izady, os sanjaqs mais antigos eram pavões, mas aves predatórias semelhantes às cultuadas pelo povo xamânico zawi chami.
A relação entre a Suméria e o Egito, segundo os arqueólogos, pode ter sido não apenas de artefatos, mas também de idéias, conceitos e iconografia. O início da cultura sumeriana coincide, dizem os estudiosos, com as primeiras dinastias egípcias. Apesar disso, não é possível definir se os seres alados foram para o Egito a partir da Suméria ou se foi o contrário; ou ainda se o conceito se desenvolveu separadamente nas duas culturas.
Seja como for, possíveis antecedentes dos anjos também estavam presentes no Egito, na representação dos deuses .Hórus, por exemplo, era representado como um falcão; Thoth às vezes era representado como um homem com cabeça de íbis. Ísis e Maat também eram representados com asas. Os arqueólogos dizem que nos textos egípcios mais antigos é possível identificar pelo menos 1.200 deidades,muitas delas próximas da idéia que se faz dos anjos.Além disso, conseguiram identificar um culto dedicado a evocar a ajuda do Hunmanit, um grupo de entidades ligadas ao sol e representados como raios de sol, como ocorreu posteriormente com a representação cristã do coro angelical dos serafins. Eles tinham a responsabilidade de cuidar tanto do sol quanto da humanidade, e alguns estudiosos entendem que é possível entender essas entidades como versões antigas dos anjos da guarda.
SE ATÉ AQUI AS REFERÊNCIAS PODEM PARECER VAGAS para algumas pessoas, talvez não haja dúvida de que a história dos anjos e dos homens começa a se delinear mais claramente com o surgimento do zoroastrismo, que iria influenciar definitivamente as religiões judaica e cristã.
É com o zoroastrismo que se apresenta mais claramente a natureza dualista da religião, com o Bem e o Mal bem definidos respectivamente nas figuras de Ahura-Mazda, ou Ormuzd, e Angra Mainyu, ou Ahriman. A religião foi desenvolvida por Zoroastro, ou Zaratustra, que viveu em algum período entre os séculos 12 e 6 a.C., e a idéia básica é que os dois estariam em constante combate, comandando seus “exércitos”.
O mal só se torna real no mundo quando toma conta de coisas materiais, de modo que os humanos estão na linha de frente do conflito. Do lado de Ahura Mazda, estariam os auxiliares chamados de Amesa Spentas, que ajudam os humanos fazendo mediação com Deus; são eles os responsáveis por levarem as preces e trazerem as bênçãos e força para a humanidade. Do lado do Mal, estariam os daivas (ou devas) e os khrafstras.
Alguns historiadores acreditam que o zoroastrismo possa ter influenciado o judaísmo. Alguns afirmam que Abraão, patriarca do judaísmo, vivia na cidade de Ur, na Mesopotâmia, por volta de 2.000 ou 1.800 a.C., época em que a religião predominava na região. No entanto, muitos historiadores entendem que Zaratustra surgiu bem depois dessa época, por volta de 650 a.C., e que a influência teria outra origem: teria ocorrido quando Ciro (560-530 a.C.) construiu o império que se tornaria um dos maiores da história. Quando conquistou a Babilônia, deu a liberdade aos judeus que estavam no cativeiro, e estes podem ter acolhido alguns conceitos persas, entre eles o da existência dos anjos.
Dessa forma, o judaísmo monoteísta teria unido conceitos do zoroastrismo com alguns próprios dos primórdios da religião, especialmente no que diz respeito à existência de inúmeros espíritos, como os do vento e do fogo, que alguns historiadores acreditam ter sido a base para o surgimento dos querubins e serafins. Posteriormente, os anjos se tornaram cada vez mais os mensageiros de Deus, e muitos mais surgiram nos textos judaicos. Segundo a Enciclopédia Britânica, os cabalistas, especialmente os medievais, inventaram novos anjos e os ajustaram à complicada rede de existência cósmica.
Como o cristianismo deve muito ao judaísmo e ao zoroastrismo, também o conceito de anjos deriva daí, ainda que alguns estudiosos acrescentem que os cristãos desenvolveram idéias próprias a respeito dos anjos. Assim como eles foram citados no Velho Testamento, a Torá dos judeus, também surgem no Novo Testamento, no qual os anjos são apresentados em sete diferentes grupos: anjos, arcanjos, principados, poderes, virtudes, dominações e tronos; além dos já citados querubins e serafins, formando os nove coros de anjos aos quais se refere a teologia cristã. O cristianismo também passou a considerar a existência dos anjos de guarda, conceito que também pode ter origem no zoroastrismo, judaísmo, na Grécia ou no Egito.
No Islã, a presença dos anjos também é fundamental. Foi o anjo Gabriel (Djibril) quem se revelou a Maomé numa caverna, entregando-lhe um pergaminho, que passou a ser o texto sagrado do Islã, o Corão (de curan, “ler” ou “ler alto”). No islamismo, os anjos são chamados de mala’ika, também com o significado de mensageiros, com a principal função de carregar mensagens a Alá. Eles também tem a missão de proteger e de batalhar contra o mal.
Não é difícil perceber que a história dos anjos é bem mais extensa e complexa do que se imagina.Segundo o cristianismo, em especial o catolicismo, Deus criou os anjos porque os humanos não poderiam entrar em contato direto com ele. Estamos falando de uma “energia” que não pode ser confrontada pela simples matéria. Assim, precisamos desses intermediários.Abordagens não-religiosas, esotéricas ou místicas entendem que entrar em contato com os anjos é contatar o que existe de mais puro e correto dentro de nós mesmos. Nesse contato, encontramos uma força e orientação para o bem que, até então, se encontrava escondida ou inacessível, seja por quais razões.
Assim, voltando ao início deste texto, qualquer que seja a aproximação que se faça do assunto, rezar para os anjos, solicitar seu auxílio, proteção ou apenas orientação, pode funcionar da mesma forma. Então, antes de fazer qualquer besteira, procure conversar com seu anjo.
SEXO E LIVRE ARBÍTRIO
A expressão “discutir o sexo dos anjos” geralmente é aplicada a uma discussão inútil, uma vez que, supostamente, os anjos não tem sexo, ou este não pode ser definido. No entanto, existem referências em contrário. O zoroastrismo – que identifica seis arcanjos
Principais e pelo menos 40 anjos menores - considera alguns como sendo masculinos e outros sendo femininos, e cada um associado a um atributo ou qualidade específica.
Alguns dos pesquisadores que se referem à chamada “hipótese extraterrestre” costumam falar da passagem da bíblia em que os anjos vieram à Terra e estavam dormindo com as filhas dos homens, o que deixaria claro a existência de um sexo definido.
A religião de Zaratustra também possui outra categoria de anjos: os anjos de guarda. Cada um é designado como guia, protetor e companheiro de uma única pessoa, ao longo de sua vida.
Outra discussão que parece interminável se refere à existência ou não do livre-arbítrio dos anjos. Costuma-se dizer que eles não o possuem, mas essa não é a opinião generalizada. Pelo contrário.
Na Suma Teológica de São Tomás de Aquino, ele entende que os anjos tem livre-arbítrio.Ele apenas difere daquele dos homens uma vez que o livre-arbítrio está diretamente ligado às escolhas; enquanto os humanos precisam especular, deliberar e chegar a alguma “escolha” com relação aos assuntos em pauta, os anjos possuem a aceitação súbita da verdade. E o livre-arbítrio é parte da dignidade humana, mas a dignidade dos anjos ultrapassa a humana; assim, se existe o livre-arbítrio entre os homens, com muito mais razão existe entre os anjos.
Outros pensadores entendem que o fato de existirem “anjos caídos” já é uma prova de que existe o livre-arbítrio entre eles.
Hoje em dia já existem outras versões para a história da queda, desde a tentativa dos anjos, como Lúcifer, em trazerem para a humanidade um conhecimento que lhes tinha sido negado a princípio, até interpretações relacionadas com a reencarnação de anjos na Terra, ou mesmo a vontade dos anjos em se aproximar dos humanos, devido ao amor que sentem pela humanidade.
ANJOS EXTRATERRESTRES
A hipótese extraterrestre – aparentemente sem qualquer embasamento científico reconhecido – entende que os anjos, assim como muitas representações antigas de deuses, eram simplesmente visitantes de outros mundos. Devido à sua tecnologia avançada e sua capacidade em se locomover pelo ar, foram tidos pelos primitivos habitantes do planeta como seres espirituais.
Um exemplo disso seria a “visão” do profeta Ezequiel, tida pelos pesquisadores do assunto como um contato imediato com seres extraterrestres. Ezequiel descreveria o ser como sendo um anjo por falta de referências; esse “anjo” o teria levado numa viagem numa espaçonave, na qual ele pode ver algumas maravilhas.
É bastante comum, também, associar os anjos caídos aos extraterrestres, seres que teriam vindo à Terra para trazer conhecimento à humanidade e ajudar-nos a progredir tecnologicamente. No entanto, algumas pessoas entendem que esses “anjos”, que chegaram principalmente no Oriente Médio, não eram tão bonzinhos como se acredita, e que seu principal objetivo aqui na Terra teria sido o de criar geneticamente uma raça de escravos para servir aos seus intentos.
Outros, ainda, entendem que os anjos do Bem e do Mal são na verdade duas raças diferentes de extraterrestres que se encontram em guerra, travando uma batalha milenar na Terra e imediações, e que nós temos participado dessa guerra, voluntária e involuntariamente.
Os estudos que vêem nos anjos seres extraterrestres também costumam citar a passagem do Gênesis que se refere aos “filhos de Deus que se juntaram às filhas dos homens e geraram gigantes”. Isso numa época em que os gigantes eram comuns na Terra. Para não falar de outra famosa passagem da Bíblia, a que se refere à destruição de Sodoma e Gomorra, episódio no qual os anjos também têm participação.
(Extraído da revista Sexto Sentido 49, páginas 26-32)
A história dos anjos ocorre concomitante à história humana e, de alguma forma, parece refleti-la. A presença dos anjos no universo é como um espelho da nossa presença na Terra, um resumo de nossas idéias, sentimentos, ambições, virtudes e falhas. Uma história igualmente repleta de contradições. E isso pode ser verdadeiro qualquer que seja a aproximação que se faça ao assunto.
Por exemplo, existem aqueles para quem os anjos nada mais são do que representações simbólicas de nosso inconsciente. E existem aqueles para os quais os anjos são seres de fato, não apenas símbolos, mas indivíduos criados por Deus, e habitando uma dimensão diferente da nossa, ainda que possam interferir em nosso mundo. Ou ainda – como pretendem alguns pesquisadores de nosso passado distante – seres reais, porém com origem extraterrestre, que interferiram em nossa evolução de uma forma ou de outra.
Não importa, nesse caso, porque para nós a história deles começa quando começa a nossa.Com raras exceções, eles surgem em várias civilizações, desde a Suméria, ainda que talvez nunca tenham estado tão presentes quanto hoje em dia. São utilizados de forma contraditória pelos humanos; tidos como imagens do mundo espiritual, mensageiros de Deus, uma espécie de elo de ligação entre o nosso mundo e o divino, em grande parte os anjos foram transformados em emblemas da superficialidade humana, representada pelo consumismo.
Hoje existem figurinhas de anjos, cartas de anjos, abajures-anjo, descanso de copo, velas, pingentes, quadros, etc etc.Isso para não falar das milhares de formas de se comunicar com nossos próprios anjos, ancorar os anjos (seria para mantê-los sempre próximos a nós?), pedir coisas e mais coisas aos anjos. Tudo explicado (e, quase sempre, pago) nos livros, revistas, sites da internet, programas de rádio, televisão, vídeos, CDs, palestras, workshops, vivências e outros eventos cujos os títulos ainda vão ser inventados nos próximos anos, quando conceitos como vivências e workshops estiverem ultrapassados.
É claro que, no passado, os anjos também foram retratados das mais diversas formas, e o acesso ao ¨conhecimento¨ sobre eles estava restrito a uma ordem especial de pessoas que detinham o poder religioso. Hoje em dia, é possível que uma pessoa comum, um jornalista, por exemplo, fale sobre os anjos com muito mais embasamento do que uma pessoa comum do século 15. Mas a mistureba que se faz com o assunto é impressionante.
O ROCK PROGRESSIVO TEM UM ÁLBUM CLÁSSICO chamado Pawn Hearts (1971), do grupo Van der Graaf Generator. Nele, o músico Peter Hammill canta: “Os anjos vivem dentro de mim, eu posso senti-los sorrir. Sua presença apazigua e acalma a tempestade em minha mente, e seu amor pode curar todas as feridas que eu criei. Eles cuidam de mim enquanto eu caio. Eu sei que vou ser sustentado, enquanto os anjos viverem”. Na mesma canção, ele também diz que o assassino vive dentro dele.
É apenas um exemplo de uma das centenas ou milhares de concepções existentes sobre os anjos: assim como temos nossos demônios interiores, também temos nossos anjos.
Hoje em dia, esses conceitos podem ser encontrados, além dos livros – sagrados ou não – em milhares de textos espalhados pela internet, e vão dos mais óbvios e simples aos mais complexos, bem ou mal elaborados. Tem para todos os gostos, nessa época em que as idéias circulam pelo mundo numa velocidade que tenta se aproximar à dos anjos.
Uma dessas idéias procura aproximar a elaboração do conceito dos anjos às variadas figuras de homens-voadores, homens-alados ou homens-pássaros que surgem nas mais diferentes culturas do planeta, do Zimbábue ao Peru. Para alguns antropólogos, o conceito em si pode estar relacionado com os sonhos em que temos a sensação de voar, uma capacidade que tem fascinado a humanidade desde sempre.
A palavra anjo deriva do grego angelos, que por sua vez é considerada uma tradução do hebraico mal’akh, cujo significado é “mensageiro”. E, ainda que as figuras aladas surjam em quase todo o mundo, acredita-se que o anjo em si tenha surgido no Oriente Médio. Provavelmente já na Suméria, o que não seria de se estranhar, uma vez que outras narrativas bíblicas tem sua origem na mesma civilização.
Alguns cientistas entendem que os primeiros trabalhos de arte mostrando seres alados provêm da Suméria, que possuía uma religião complexa, repleta de deuses e espíritos, e o que se convencionou chamar de “mensageiros dos deuses”, seres que se deslocavam entre os deuses e os humanos.Da mesma forma,diz-se que os sumerianos acreditavam que cada pessoa tinha uma espécie de “fantasma”, que hoje em dia alguns associam aos anjos de guarda, e que eram uma companhia constante das pessoas ao longo de suas vidas.
Quando os povos semíticos conquistaram a Suméria, por volta de 1.900 a.C., eles assumiram os conceitos a respeito dos anjos; da mesma forma, dividiram-nos em grupos, respondendo aos também diversos deuses semíticos, e criaram hierarquias. Mais tarde, essas hierarquias foram ainda mais aprimoradas no zoroastrismo e no judaísmo monoteísta; além do que se acredita que deve haver uma relação entre teologia sumeriana e a egípcia.
CIENTISTAS TEM SUGERIDO QUE A NOÇÃO DA EXISTÊNCIA de anjos não se desenvolveu na Suméria por acaso; ou seja, ela tem uma origem anterior, no que se poderia chamar de período xamânico. Um dos exemplos dessa cultura poderia ser encontrada em Çatal Hüyük, na região da Anatólia, Turquia. No sítio arqueológico foram encontradas doze cidades superpostas, a mais antiga datando de cerca de 9.000 a.C. Existem evidências de que ali se realizava um tipo de culto envolvendo pássaros e, posteriormente, a figura de um deus-abutre, responsável por remover a alma dos mortos. E, num dos murais encontrados, existe a figura de um humano vestido com a pele de um abutre.
As “habilidades” dos seres alados da Suméria – como poder voar para lugares que pessoas comuns não podem atingir e servir de intermediários entre o mundo humano e outros mundos mais elevados – são também considerados atributos dos xamãs, nas mais diferentes culturas.
Os arqueólogos e antropólogos são cuidadosos ao tentar estabelecer essa “conexão xamânica”, mas cita-se ainda outra descoberta que pode estar relacionada, essa feita no Curdistão, nos anos 50, numa caverna utilizada para enterros pelo povo conhecido como Zawichami por volta de 8.870 a.C. Nesse local, os arqueólogos e antropólogos Rose e Ralph Solecki encontraram ossos de grandes aves predadoras, incluindo vários tipos de abutres e águias. Em 1977, Rose Solecki publicou um artigo no qual estabelece uma conexão entre o xamanismo do Curdistão e o de Çatal Hüyük.
O erudito curdo Mehrdad Izady é um dos que acredita que o culto xamânico relacionado aos pássaros predadores influenciou o desenvolvimento na noção dos anjos. A região do Curdistão originou três cultos aos anjos, o mais famoso deles e de Yezidis, do Iraque, centrado na figura de uma entidade angélica suprema chamada Melek Taus, o “anjo-pavão”. Esse anjo é frequentemente mostrado na forma de um ícone de um pássaro estranho conhecido como sanjag. Segundo Izady, os sanjaqs mais antigos eram pavões, mas aves predatórias semelhantes às cultuadas pelo povo xamânico zawi chami.
A relação entre a Suméria e o Egito, segundo os arqueólogos, pode ter sido não apenas de artefatos, mas também de idéias, conceitos e iconografia. O início da cultura sumeriana coincide, dizem os estudiosos, com as primeiras dinastias egípcias. Apesar disso, não é possível definir se os seres alados foram para o Egito a partir da Suméria ou se foi o contrário; ou ainda se o conceito se desenvolveu separadamente nas duas culturas.
Seja como for, possíveis antecedentes dos anjos também estavam presentes no Egito, na representação dos deuses .Hórus, por exemplo, era representado como um falcão; Thoth às vezes era representado como um homem com cabeça de íbis. Ísis e Maat também eram representados com asas. Os arqueólogos dizem que nos textos egípcios mais antigos é possível identificar pelo menos 1.200 deidades,muitas delas próximas da idéia que se faz dos anjos.Além disso, conseguiram identificar um culto dedicado a evocar a ajuda do Hunmanit, um grupo de entidades ligadas ao sol e representados como raios de sol, como ocorreu posteriormente com a representação cristã do coro angelical dos serafins. Eles tinham a responsabilidade de cuidar tanto do sol quanto da humanidade, e alguns estudiosos entendem que é possível entender essas entidades como versões antigas dos anjos da guarda.
SE ATÉ AQUI AS REFERÊNCIAS PODEM PARECER VAGAS para algumas pessoas, talvez não haja dúvida de que a história dos anjos e dos homens começa a se delinear mais claramente com o surgimento do zoroastrismo, que iria influenciar definitivamente as religiões judaica e cristã.
É com o zoroastrismo que se apresenta mais claramente a natureza dualista da religião, com o Bem e o Mal bem definidos respectivamente nas figuras de Ahura-Mazda, ou Ormuzd, e Angra Mainyu, ou Ahriman. A religião foi desenvolvida por Zoroastro, ou Zaratustra, que viveu em algum período entre os séculos 12 e 6 a.C., e a idéia básica é que os dois estariam em constante combate, comandando seus “exércitos”.
O mal só se torna real no mundo quando toma conta de coisas materiais, de modo que os humanos estão na linha de frente do conflito. Do lado de Ahura Mazda, estariam os auxiliares chamados de Amesa Spentas, que ajudam os humanos fazendo mediação com Deus; são eles os responsáveis por levarem as preces e trazerem as bênçãos e força para a humanidade. Do lado do Mal, estariam os daivas (ou devas) e os khrafstras.
Alguns historiadores acreditam que o zoroastrismo possa ter influenciado o judaísmo. Alguns afirmam que Abraão, patriarca do judaísmo, vivia na cidade de Ur, na Mesopotâmia, por volta de 2.000 ou 1.800 a.C., época em que a religião predominava na região. No entanto, muitos historiadores entendem que Zaratustra surgiu bem depois dessa época, por volta de 650 a.C., e que a influência teria outra origem: teria ocorrido quando Ciro (560-530 a.C.) construiu o império que se tornaria um dos maiores da história. Quando conquistou a Babilônia, deu a liberdade aos judeus que estavam no cativeiro, e estes podem ter acolhido alguns conceitos persas, entre eles o da existência dos anjos.
Dessa forma, o judaísmo monoteísta teria unido conceitos do zoroastrismo com alguns próprios dos primórdios da religião, especialmente no que diz respeito à existência de inúmeros espíritos, como os do vento e do fogo, que alguns historiadores acreditam ter sido a base para o surgimento dos querubins e serafins. Posteriormente, os anjos se tornaram cada vez mais os mensageiros de Deus, e muitos mais surgiram nos textos judaicos. Segundo a Enciclopédia Britânica, os cabalistas, especialmente os medievais, inventaram novos anjos e os ajustaram à complicada rede de existência cósmica.
Como o cristianismo deve muito ao judaísmo e ao zoroastrismo, também o conceito de anjos deriva daí, ainda que alguns estudiosos acrescentem que os cristãos desenvolveram idéias próprias a respeito dos anjos. Assim como eles foram citados no Velho Testamento, a Torá dos judeus, também surgem no Novo Testamento, no qual os anjos são apresentados em sete diferentes grupos: anjos, arcanjos, principados, poderes, virtudes, dominações e tronos; além dos já citados querubins e serafins, formando os nove coros de anjos aos quais se refere a teologia cristã. O cristianismo também passou a considerar a existência dos anjos de guarda, conceito que também pode ter origem no zoroastrismo, judaísmo, na Grécia ou no Egito.
No Islã, a presença dos anjos também é fundamental. Foi o anjo Gabriel (Djibril) quem se revelou a Maomé numa caverna, entregando-lhe um pergaminho, que passou a ser o texto sagrado do Islã, o Corão (de curan, “ler” ou “ler alto”). No islamismo, os anjos são chamados de mala’ika, também com o significado de mensageiros, com a principal função de carregar mensagens a Alá. Eles também tem a missão de proteger e de batalhar contra o mal.
Não é difícil perceber que a história dos anjos é bem mais extensa e complexa do que se imagina.Segundo o cristianismo, em especial o catolicismo, Deus criou os anjos porque os humanos não poderiam entrar em contato direto com ele. Estamos falando de uma “energia” que não pode ser confrontada pela simples matéria. Assim, precisamos desses intermediários.Abordagens não-religiosas, esotéricas ou místicas entendem que entrar em contato com os anjos é contatar o que existe de mais puro e correto dentro de nós mesmos. Nesse contato, encontramos uma força e orientação para o bem que, até então, se encontrava escondida ou inacessível, seja por quais razões.
Assim, voltando ao início deste texto, qualquer que seja a aproximação que se faça do assunto, rezar para os anjos, solicitar seu auxílio, proteção ou apenas orientação, pode funcionar da mesma forma. Então, antes de fazer qualquer besteira, procure conversar com seu anjo.
SEXO E LIVRE ARBÍTRIO
A expressão “discutir o sexo dos anjos” geralmente é aplicada a uma discussão inútil, uma vez que, supostamente, os anjos não tem sexo, ou este não pode ser definido. No entanto, existem referências em contrário. O zoroastrismo – que identifica seis arcanjos
Principais e pelo menos 40 anjos menores - considera alguns como sendo masculinos e outros sendo femininos, e cada um associado a um atributo ou qualidade específica.
Alguns dos pesquisadores que se referem à chamada “hipótese extraterrestre” costumam falar da passagem da bíblia em que os anjos vieram à Terra e estavam dormindo com as filhas dos homens, o que deixaria claro a existência de um sexo definido.
A religião de Zaratustra também possui outra categoria de anjos: os anjos de guarda. Cada um é designado como guia, protetor e companheiro de uma única pessoa, ao longo de sua vida.
Outra discussão que parece interminável se refere à existência ou não do livre-arbítrio dos anjos. Costuma-se dizer que eles não o possuem, mas essa não é a opinião generalizada. Pelo contrário.
Na Suma Teológica de São Tomás de Aquino, ele entende que os anjos tem livre-arbítrio.Ele apenas difere daquele dos homens uma vez que o livre-arbítrio está diretamente ligado às escolhas; enquanto os humanos precisam especular, deliberar e chegar a alguma “escolha” com relação aos assuntos em pauta, os anjos possuem a aceitação súbita da verdade. E o livre-arbítrio é parte da dignidade humana, mas a dignidade dos anjos ultrapassa a humana; assim, se existe o livre-arbítrio entre os homens, com muito mais razão existe entre os anjos.
Outros pensadores entendem que o fato de existirem “anjos caídos” já é uma prova de que existe o livre-arbítrio entre eles.
Hoje em dia já existem outras versões para a história da queda, desde a tentativa dos anjos, como Lúcifer, em trazerem para a humanidade um conhecimento que lhes tinha sido negado a princípio, até interpretações relacionadas com a reencarnação de anjos na Terra, ou mesmo a vontade dos anjos em se aproximar dos humanos, devido ao amor que sentem pela humanidade.
ANJOS EXTRATERRESTRES
A hipótese extraterrestre – aparentemente sem qualquer embasamento científico reconhecido – entende que os anjos, assim como muitas representações antigas de deuses, eram simplesmente visitantes de outros mundos. Devido à sua tecnologia avançada e sua capacidade em se locomover pelo ar, foram tidos pelos primitivos habitantes do planeta como seres espirituais.
Um exemplo disso seria a “visão” do profeta Ezequiel, tida pelos pesquisadores do assunto como um contato imediato com seres extraterrestres. Ezequiel descreveria o ser como sendo um anjo por falta de referências; esse “anjo” o teria levado numa viagem numa espaçonave, na qual ele pode ver algumas maravilhas.
É bastante comum, também, associar os anjos caídos aos extraterrestres, seres que teriam vindo à Terra para trazer conhecimento à humanidade e ajudar-nos a progredir tecnologicamente. No entanto, algumas pessoas entendem que esses “anjos”, que chegaram principalmente no Oriente Médio, não eram tão bonzinhos como se acredita, e que seu principal objetivo aqui na Terra teria sido o de criar geneticamente uma raça de escravos para servir aos seus intentos.
Outros, ainda, entendem que os anjos do Bem e do Mal são na verdade duas raças diferentes de extraterrestres que se encontram em guerra, travando uma batalha milenar na Terra e imediações, e que nós temos participado dessa guerra, voluntária e involuntariamente.
Os estudos que vêem nos anjos seres extraterrestres também costumam citar a passagem do Gênesis que se refere aos “filhos de Deus que se juntaram às filhas dos homens e geraram gigantes”. Isso numa época em que os gigantes eram comuns na Terra. Para não falar de outra famosa passagem da Bíblia, a que se refere à destruição de Sodoma e Gomorra, episódio no qual os anjos também têm participação.
(Extraído da revista Sexto Sentido 49, páginas 26-32)