EINSTEIN E A RELIGIÃO
Muitas vezes “acusado” de ser ateu e de introduzir a duvida a respeito de Deus, Albert Einstein elaborou e seguiu um pensamento religioso complexo e profundo, entendendo que a religião e a ciência eram complementares.
Gilberto Schoereder
Gilberto Schoereder
Quando se pretende falar da relação entre Albert Einstein e a religião, é inevitável lembrar uma de suas frases mais famosas: “A ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega”. Isso seria mais do que suficiente para se perceber que o cientista tinha uma relação especial com a religião. Alguns biógrafos de Einstein (1879-1955) chegaram a defender a noção de que essa relação ocorreu basicamente em sua infância, mas essa idéia já não é mais aceita. Uma das pesquisas mais profundas desse relacionamento entre ciência e religião na vida e obra de Einstein está no livro Einstein e a Religião, de Max Jammer, professor de Física e colega de Einstein em Princeton.
O interesse popular no cientista alemão se mantém, mesmo 50 anos após sua morte e num momento em que muitas de suas teorias vêm sendo questionadas. Einstein continua sendo uma das figuras mais conhecidas do planeta e, certamente, o nome que a maioria das pessoas imediatamente associa à ciência.
Jammer cita outra frase importante de Einstein, numa entrevista concedida ao escritor James Murphy e ao matemático John William Navin Sullivan (1886-1937), em 1930. “Todas as especulações mais refinadas no campo da ciência”, disse Einstein, “provêm de um profundo sentimento religioso; sem esse sentimento, elas seriam infrutíferas”.
Assim, percebe-se claramente a opinião do cientista de que a ciência e a religião eram complementares. No entanto, é preciso entender exatamente o que ele queria dizer com isso.
Os avôs e o pai de Albert eram judeus, mas ele não foi criado seguindo à risca as tradições judaicas. Segundo Jammer, tudo indica que seus pais não eram dogmáticos e sequer freqüentavam os serviços religiosos na sinagoga. Aos seis anos, ele entrou para uma escola pública católica, e teve aulas de religião – católica, bem entendido. Diz-se que só então seus pais resolveram lhe ensinar os princípios do judaísmo, para contrabalançar contrabalançar os ensinamentos católicos.
O SENTIMENTO RELIGIOSO SURGIU CEDO EM EINSTEIN, e ele chamou essa fase de sua infância de “paraíso religioso”, mas existem dúvidas quanto a como ele teria se desenvolvido. Quando os pais resolveram que ele devia conhecer o judaísmo, contrataram um parente distante para ensiná-lo e, segundo Maja, irmã de Albert, foi esse parente que despertou nele o sentimento religioso. Já Alexander Moszkowski, que escreveu a primeira biografia de Einstein, em 1920, afirmou, baseado em conversas pessoais com o cientista, que esse sentimento foi despertado após seu maior contato com a natureza, depois que a família se mudou de Ulm para Munique. O mesmo biógrafo também disse que a música desempenhou papel importante nesse sentimento religioso de Albert.
Apesar da biografia ter sido baseada em conversas pessoais, em 1949, o próprio Einstein escreveu, em Notas Autobiográficas, que sua religiosidade tinha se baseado tanto num sentimento de depressão e desespero quanto no reconhecimento da futilidade da rivalidade humana na luta pela vida. A religião trazia algum alívio, segundo ele disse, mas Jammer parece acreditar que essa idéia de Einstein foi formada posteriormente, uma projeção de suas idéias maduras para sua juventude.
Um fato importante ocorre aos 12 anos de idade, época em que deveria realizar o bar mitzvah, a confirmação judaica, que Einstein se recusou a realizar. Jammer entende que isso se deve à característica da personalidade de Einstein, de demonstrar independência com relação à autoridade e à tradição. Essas noções começaram a se desenvolver, ao que tudo indica, quando sua família recebeu um estudante judeu pobre, Max Talmud, dez anos mais velho do que Einstein. Os dois se tornaram grandes amigos, e foi através de Max que Einstein conheceu os textos a respeito de ciência, geometria, matemática, e a Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant.
Segundo o próprio cientista escreveu posteriormente, ele percebeu, através dos livros científicos, que muitas das histórias da Bíblia não podiam ser verdade e que os jovens são intencionalmente enganados pelo Estado com mentiras. “Dessa experiência”, ele escreveu em Notas Autobiográficas, “nasceu minha desconfiança de todo e qualquer tipo de autoridade, uma atitude cética para com as convicções que vicejavam em qualquer meio social especifico. Essa atitude nunca mais me abandonou, embora, mais tarde, graças a um discernimento melhor das ligações causais, tenha perdido parte de sua contundência original”.
ESSA POSTURA TAMBÉM SE EVIDENCIA NO FATO de que a primeira esposa de Einstein, Mileva Maric, pertencia à Igreja Ortodoxa grega. Os pais de ambos foram contrários ao casamento, mas eles não pareceram se importar com isso.
Max Jammer escreveu que toda essa situação poderia corroborar a tese de que a ciência e a religião são opostos irreconciliáveis, mas Einstein nunca concebeu essa relação como uma antítese, vendo os dois como complementares, como já ficou demonstrado nas frases citadas anteriormente.
O que aparentemente é uma contradição – uma vez que Einstein desaprovou a educação religiosa de seus filhos, considerando-a “contrária a todo o pensamento científico” – explica-se pelo entendimento correto de como Einstein usava os termos “religião” e “religioso”. Por exemplo, na expressão “ensino da religião”, ele via a instrução fornecida de acordo com a tradição de um credo; já na expressão “ciência sem religião”, o termo se referia ao sentimento de uma devoção inspirada, avessa aos dogmas. Em outras palavras, Einstein se referia ao sentimento religioso próprio da pessoa, sem intermediários, sem o poder da instituição e dos dogmas.
Jammer também levanta outra questão importante para se entender o pensamento de Einstein com relação à religião e Deus, e que está ligado à sua admiração pelo filósofo Baruch (posteriormente Benedictus) Espinosa (1632-1677), que negou a concepção judaico-cristã de um Deus pessoal, mas tinha a crença na existência de uma inteligência superior que se revela na harmonia e na beleza da natureza. Jammer explica que Einstein, como Espinosa, “negava a existência de um Deus pessoal, construído com base no ideal de um super-homem, como diríamos hoje”.
Numa oportunidade em que lhe pediram para definir Deus, Einstein disse: “Não sou ateu, e não creio que possa me chamar panteísta. Estamos na situação de uma criancinha que entra em uma imensa biblioteca, repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros, mas não sabe como. Não compreende as línguas em que foram escritos. Tem uma pálida suspeita de que a disposição dos livros obedece a uma ordem misteriosa, mas não sabe qual ela é. Essa, ao que me parece, é a atitude até mesmo do mais inteligente dos seres humanos diante de Deus. Vemos o Universo, maravilhosamente disposto e obedecendo a certas leis, mas temos apenas uma pálida compreensão delas. Nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações. Sou fascinado pelo panteísmo de Espinosa, mas admiro ainda mais sua contribuição para o pensamento moderno, por ele ter sido o primeiro filósofo a lidar com a alma e o corpo como uma coisa só, e não como duas coisas separadas”.
MAIS OU MENOS NA MESMA ÉPOCA em que falava sobre sua crença em Deus, Einstein também era acusado de ser um ateu, especialmente numa discussão provocada pelo cardeal O’Connell, arcebispo de Boston, ao advertir os membros do Clube Católico Americano da Nova Inglaterra a não lerem nada sobre a Teoria da Relatividade, uma vez que ela era “uma especulação confusa, que produz a dúvida universal sobre Deus e Sua criação (...) e encobre a assustadora aparição do ateísmo”.
O rabino Herbert S. Goldstein, da Sinagoga Institucional de Nova York, reagiu enviando um telegrama a Einstein pedindo que ele respondesse à simples pergunta: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia ordeira daquilo que existe, e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos atos dos seres humanos”. Em última análise, pode se dizer que é uma resposta e um ponto de vista que se aproxima bastante de muitas posturas religiosas ou espiritualistas da chamada Nova Era, com um abandono do Deus pessoal.
Max Jammer alerta para o fato de que Einstein sempre estabeleceu uma distinção nítida entre sua descrença num Deus pessoal, de um lado, e o ateísmo, de outro. Num texto em que comentava um livro que negava a existência de Deus, Einstein disse: “Nós, seguidores de Espinosa, vemos nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais. Saber se a crença em um Deus pessoal deve ser contestada é outra questão. Freud endossou essa visão em seu livro mais recente. Pessoalmente, eu nunca empreenderia tal tarefa, pois essa crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida. Pergunto-me se algum dia se poderá entregar à maioria da humanidade, com sucesso, um meio mais sublime de satisfazer suas necessidades metafísicas”.
Fica mais do que claro que Einstein não era e nem tinha qualquer apreço pelo ateísmo. Como Jammer destaca, ele não questionava a utilidade da educação religiosa, mas se opunha a ela – como no caso de seus filhos – “quando desconfiava que o principal objetivo era ensinar cerimônias religiosas ou ritos formais, em vez de desenvolver valores éticos”.
O PRIMEIRO ENSAIO DE EINSTEIN A RESPEITO DA RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO data do final de 1930, ainda que se diga que seu interesse no assunto já vinha da década de 20. Sua postura contra todo tipo de dogmatismo religioso pode ser verificada mais uma vez na sua recusa em utilizar o termo “teologia”, entendendo que sua abordagem da religião diferia muito da dos teólogos profissionais, especialmente daqueles para quem “a teologia é detentora da verdade e a filosofia está em busca da verdade”.
A maioria de seus textos sobre religião surgiram no período entre 1930 e 1941, e diz Jammer que seu interesse em escrever sobre o tema cresceu devido a duas entrevistas. A primeira, no início de 1930, dada a J. Murphy e J.W.N. Sullivan, já citada no início da matéria. A segunda entrevista foi com o poeta e filósofo místico hindu Rabindranath Tagore (1861-1941), Prêmio Nobel de Literatura em 1913.
Aparentemente, Einstein ficou um pouco decepcionado com a conversa com Tagore, e resolveu escrever o ensaio chamado Aquilo em que Acredito, que despertou a ira dos nazistas. Um dos trechos diz: “A mais bela experiência que podemos ter é a do mistério. Ele é a emoção fundamental que se acha no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Quem não sabe disso e já não consegue surpreender-se, já não sabe maravilhar-se, está praticamente morto e tem os olhos embotados. Foi a experiência do mistério – ainda que mesclada com a do medo – que gerou a religião. Saber da existência de algo em que não podemos penetra, perceber uma razão mais profunda e a mais radiante beleza, que só nos são acessíveis à mente em suas formas mais primitivas, esse saber e essa emoção constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e apenas nele, sou um homem profundamente religioso. Não consigo conceber um Deus que premie e castigue suas criaturas, ou que tenha uma vontade semelhante à que experimentamos em nós”.
QUANDO ESCREVEU O ENSAIO RELIGIÃO E CIÊNCIA para a New York Times Magazine, em 1930, Einstein elaborou a idéia de três estágios do desenvolvimento da religião. O primeiro estágio, ele chamou de “religião do medo”. Pensando em quais teriam sido as necessidades e os sentimentos que levaram ao pensamento e à fé religiosa, entendeu que, para o homem primitivo foi, antes de tudo, o medo, seja da fome, dos animais, das doenças ou da morte. A mente humana, disse, criou seres imaginários de cuja vontade dependiam a vida ou a morte do indivíduo e da sociedade. E, para aplacar esses seres, os humanos lhes ofereciam súplicas e sacrifícios, formas primitivas de oração e rituais religiosos.
Ele não aceitava a idéia da religião se originando pela revelação, segundo a qual Deus dá a conhecer Sua realidade aos homens; isso exclui a aparição a Moisés e acontecimentos como o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo, ou ainda as palavras de um anjo, como diz o Alcorão. Jammer diz ainda que a idéia da religião surgindo do medo não é de Einstein, ainda que provavelmente ele não tenha lido os autores que falaram disso antes dele.
O segundo estágio, ele escreveu, foi a “concepção social ou moral de Deus”, decorrente do “desejo de orientação, amor e apoio”. É o Deus que premia e castiga, ao qual ele já havia se referido anteriormente. Einstein via no Antigo e no Novo Testamentos uma ilustração admirável dessa transição de uma religião do medo para a religião da moral, ainda ligada a uma concepção antropomórfica de Deus.
O terceiro estágio Einstein chamou de “sentimento religioso cósmico” e, segundo explicou, é um conceito muito difícil de elucidar para as pessoas que não têm esse sentimento, uma vez que ele não comporta qualquer concepção antropomórfica de Deus. Ele disse que “os gênios religiosos de todas as épocas distinguiram-se por esse tipo de sentimento religioso, que não conhece nenhum dogma e nenhum Deus concebido à imagem do homem; não pode haver uma Igreja cujos ensinamentos centrais se baseiem nele. Assim, é entre os hereges de todas as eras que vamos encontrar homens que estiveram repletos desse tipo mais elevado de sentimento religioso, e que, em muito casos, forma encarados por seus contemporâneos ora como ateus, ora como santos. Vistos por esse prisma, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Espinosa assemelham-se muito”.
APESAR DE TANTAS DEMONSTRAÇÕES DE QUE NÃO ERA ATEU, mas que via a religiosidade de uma forma particular, até recentemente Einstein era citado como um ateu. Numa conversa como príncipe Hubertus de Löwenstein, disse que o que realmente o aborrecia era que as pessoas que não acreditam em Deus viviam citando-o para corroborar suas idéias. Jammer cita um livro popular sobre a vida do cientista, publicado em 1998, em que surge a frase “ele (Einstein) foi ateu a vida inteira”, apesar de uma citação de Einstein no mesmo livro contradizer essa afirmação: “O Divino se revela no mundo físico”.
O maior problema parece ser mesmo a dificuldade das demais religiões em aceitar uma religião na qual as instituições e os dogmas perdem os sentido. Elas não aceitam essa situação, como não podem aceitar um homem que diz que “se você ora a Deus e Lhe pede algum beneficio, não é um homem religioso”.
Einstein não desrespeitava as religiões estabelecidas, mas apenas não concordava com elas. Jammer diz que ele venerava os fundadores das grandes religiões, e isso pode ser visto numa mensagem que enviou à Conferencia Nacional de Cristãos e Judeus, em 1947. “Se os fieis das religiões atuais”, escreveu Einstein, “tentassem sinceramente pensar e agir segundo o espírito dos fundadores dessas religiões, não existiria nenhuma hostilidade de base religiosa entre os seguidores dos diferentes credos. Até os conflitos no âmbito da religião seriam denunciados como insignificantes”.
Hoje em dia, muitos religiosos dizem exatamente isso, tendo em vista a situação explosiva em que p mundo se encontra, em grande parte devido a conflitos religiosos. Na religião de Einstein, os conflitos seriam impossíveis de existir.
(Extraído da revista Sexto Sentido 52, páginas 24-30)
O interesse popular no cientista alemão se mantém, mesmo 50 anos após sua morte e num momento em que muitas de suas teorias vêm sendo questionadas. Einstein continua sendo uma das figuras mais conhecidas do planeta e, certamente, o nome que a maioria das pessoas imediatamente associa à ciência.
Jammer cita outra frase importante de Einstein, numa entrevista concedida ao escritor James Murphy e ao matemático John William Navin Sullivan (1886-1937), em 1930. “Todas as especulações mais refinadas no campo da ciência”, disse Einstein, “provêm de um profundo sentimento religioso; sem esse sentimento, elas seriam infrutíferas”.
Assim, percebe-se claramente a opinião do cientista de que a ciência e a religião eram complementares. No entanto, é preciso entender exatamente o que ele queria dizer com isso.
Os avôs e o pai de Albert eram judeus, mas ele não foi criado seguindo à risca as tradições judaicas. Segundo Jammer, tudo indica que seus pais não eram dogmáticos e sequer freqüentavam os serviços religiosos na sinagoga. Aos seis anos, ele entrou para uma escola pública católica, e teve aulas de religião – católica, bem entendido. Diz-se que só então seus pais resolveram lhe ensinar os princípios do judaísmo, para contrabalançar contrabalançar os ensinamentos católicos.
O SENTIMENTO RELIGIOSO SURGIU CEDO EM EINSTEIN, e ele chamou essa fase de sua infância de “paraíso religioso”, mas existem dúvidas quanto a como ele teria se desenvolvido. Quando os pais resolveram que ele devia conhecer o judaísmo, contrataram um parente distante para ensiná-lo e, segundo Maja, irmã de Albert, foi esse parente que despertou nele o sentimento religioso. Já Alexander Moszkowski, que escreveu a primeira biografia de Einstein, em 1920, afirmou, baseado em conversas pessoais com o cientista, que esse sentimento foi despertado após seu maior contato com a natureza, depois que a família se mudou de Ulm para Munique. O mesmo biógrafo também disse que a música desempenhou papel importante nesse sentimento religioso de Albert.
Apesar da biografia ter sido baseada em conversas pessoais, em 1949, o próprio Einstein escreveu, em Notas Autobiográficas, que sua religiosidade tinha se baseado tanto num sentimento de depressão e desespero quanto no reconhecimento da futilidade da rivalidade humana na luta pela vida. A religião trazia algum alívio, segundo ele disse, mas Jammer parece acreditar que essa idéia de Einstein foi formada posteriormente, uma projeção de suas idéias maduras para sua juventude.
Um fato importante ocorre aos 12 anos de idade, época em que deveria realizar o bar mitzvah, a confirmação judaica, que Einstein se recusou a realizar. Jammer entende que isso se deve à característica da personalidade de Einstein, de demonstrar independência com relação à autoridade e à tradição. Essas noções começaram a se desenvolver, ao que tudo indica, quando sua família recebeu um estudante judeu pobre, Max Talmud, dez anos mais velho do que Einstein. Os dois se tornaram grandes amigos, e foi através de Max que Einstein conheceu os textos a respeito de ciência, geometria, matemática, e a Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant.
Segundo o próprio cientista escreveu posteriormente, ele percebeu, através dos livros científicos, que muitas das histórias da Bíblia não podiam ser verdade e que os jovens são intencionalmente enganados pelo Estado com mentiras. “Dessa experiência”, ele escreveu em Notas Autobiográficas, “nasceu minha desconfiança de todo e qualquer tipo de autoridade, uma atitude cética para com as convicções que vicejavam em qualquer meio social especifico. Essa atitude nunca mais me abandonou, embora, mais tarde, graças a um discernimento melhor das ligações causais, tenha perdido parte de sua contundência original”.
ESSA POSTURA TAMBÉM SE EVIDENCIA NO FATO de que a primeira esposa de Einstein, Mileva Maric, pertencia à Igreja Ortodoxa grega. Os pais de ambos foram contrários ao casamento, mas eles não pareceram se importar com isso.
Max Jammer escreveu que toda essa situação poderia corroborar a tese de que a ciência e a religião são opostos irreconciliáveis, mas Einstein nunca concebeu essa relação como uma antítese, vendo os dois como complementares, como já ficou demonstrado nas frases citadas anteriormente.
O que aparentemente é uma contradição – uma vez que Einstein desaprovou a educação religiosa de seus filhos, considerando-a “contrária a todo o pensamento científico” – explica-se pelo entendimento correto de como Einstein usava os termos “religião” e “religioso”. Por exemplo, na expressão “ensino da religião”, ele via a instrução fornecida de acordo com a tradição de um credo; já na expressão “ciência sem religião”, o termo se referia ao sentimento de uma devoção inspirada, avessa aos dogmas. Em outras palavras, Einstein se referia ao sentimento religioso próprio da pessoa, sem intermediários, sem o poder da instituição e dos dogmas.
Jammer também levanta outra questão importante para se entender o pensamento de Einstein com relação à religião e Deus, e que está ligado à sua admiração pelo filósofo Baruch (posteriormente Benedictus) Espinosa (1632-1677), que negou a concepção judaico-cristã de um Deus pessoal, mas tinha a crença na existência de uma inteligência superior que se revela na harmonia e na beleza da natureza. Jammer explica que Einstein, como Espinosa, “negava a existência de um Deus pessoal, construído com base no ideal de um super-homem, como diríamos hoje”.
Numa oportunidade em que lhe pediram para definir Deus, Einstein disse: “Não sou ateu, e não creio que possa me chamar panteísta. Estamos na situação de uma criancinha que entra em uma imensa biblioteca, repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros, mas não sabe como. Não compreende as línguas em que foram escritos. Tem uma pálida suspeita de que a disposição dos livros obedece a uma ordem misteriosa, mas não sabe qual ela é. Essa, ao que me parece, é a atitude até mesmo do mais inteligente dos seres humanos diante de Deus. Vemos o Universo, maravilhosamente disposto e obedecendo a certas leis, mas temos apenas uma pálida compreensão delas. Nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações. Sou fascinado pelo panteísmo de Espinosa, mas admiro ainda mais sua contribuição para o pensamento moderno, por ele ter sido o primeiro filósofo a lidar com a alma e o corpo como uma coisa só, e não como duas coisas separadas”.
MAIS OU MENOS NA MESMA ÉPOCA em que falava sobre sua crença em Deus, Einstein também era acusado de ser um ateu, especialmente numa discussão provocada pelo cardeal O’Connell, arcebispo de Boston, ao advertir os membros do Clube Católico Americano da Nova Inglaterra a não lerem nada sobre a Teoria da Relatividade, uma vez que ela era “uma especulação confusa, que produz a dúvida universal sobre Deus e Sua criação (...) e encobre a assustadora aparição do ateísmo”.
O rabino Herbert S. Goldstein, da Sinagoga Institucional de Nova York, reagiu enviando um telegrama a Einstein pedindo que ele respondesse à simples pergunta: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia ordeira daquilo que existe, e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos atos dos seres humanos”. Em última análise, pode se dizer que é uma resposta e um ponto de vista que se aproxima bastante de muitas posturas religiosas ou espiritualistas da chamada Nova Era, com um abandono do Deus pessoal.
Max Jammer alerta para o fato de que Einstein sempre estabeleceu uma distinção nítida entre sua descrença num Deus pessoal, de um lado, e o ateísmo, de outro. Num texto em que comentava um livro que negava a existência de Deus, Einstein disse: “Nós, seguidores de Espinosa, vemos nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais. Saber se a crença em um Deus pessoal deve ser contestada é outra questão. Freud endossou essa visão em seu livro mais recente. Pessoalmente, eu nunca empreenderia tal tarefa, pois essa crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida. Pergunto-me se algum dia se poderá entregar à maioria da humanidade, com sucesso, um meio mais sublime de satisfazer suas necessidades metafísicas”.
Fica mais do que claro que Einstein não era e nem tinha qualquer apreço pelo ateísmo. Como Jammer destaca, ele não questionava a utilidade da educação religiosa, mas se opunha a ela – como no caso de seus filhos – “quando desconfiava que o principal objetivo era ensinar cerimônias religiosas ou ritos formais, em vez de desenvolver valores éticos”.
O PRIMEIRO ENSAIO DE EINSTEIN A RESPEITO DA RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO data do final de 1930, ainda que se diga que seu interesse no assunto já vinha da década de 20. Sua postura contra todo tipo de dogmatismo religioso pode ser verificada mais uma vez na sua recusa em utilizar o termo “teologia”, entendendo que sua abordagem da religião diferia muito da dos teólogos profissionais, especialmente daqueles para quem “a teologia é detentora da verdade e a filosofia está em busca da verdade”.
A maioria de seus textos sobre religião surgiram no período entre 1930 e 1941, e diz Jammer que seu interesse em escrever sobre o tema cresceu devido a duas entrevistas. A primeira, no início de 1930, dada a J. Murphy e J.W.N. Sullivan, já citada no início da matéria. A segunda entrevista foi com o poeta e filósofo místico hindu Rabindranath Tagore (1861-1941), Prêmio Nobel de Literatura em 1913.
Aparentemente, Einstein ficou um pouco decepcionado com a conversa com Tagore, e resolveu escrever o ensaio chamado Aquilo em que Acredito, que despertou a ira dos nazistas. Um dos trechos diz: “A mais bela experiência que podemos ter é a do mistério. Ele é a emoção fundamental que se acha no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Quem não sabe disso e já não consegue surpreender-se, já não sabe maravilhar-se, está praticamente morto e tem os olhos embotados. Foi a experiência do mistério – ainda que mesclada com a do medo – que gerou a religião. Saber da existência de algo em que não podemos penetra, perceber uma razão mais profunda e a mais radiante beleza, que só nos são acessíveis à mente em suas formas mais primitivas, esse saber e essa emoção constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e apenas nele, sou um homem profundamente religioso. Não consigo conceber um Deus que premie e castigue suas criaturas, ou que tenha uma vontade semelhante à que experimentamos em nós”.
QUANDO ESCREVEU O ENSAIO RELIGIÃO E CIÊNCIA para a New York Times Magazine, em 1930, Einstein elaborou a idéia de três estágios do desenvolvimento da religião. O primeiro estágio, ele chamou de “religião do medo”. Pensando em quais teriam sido as necessidades e os sentimentos que levaram ao pensamento e à fé religiosa, entendeu que, para o homem primitivo foi, antes de tudo, o medo, seja da fome, dos animais, das doenças ou da morte. A mente humana, disse, criou seres imaginários de cuja vontade dependiam a vida ou a morte do indivíduo e da sociedade. E, para aplacar esses seres, os humanos lhes ofereciam súplicas e sacrifícios, formas primitivas de oração e rituais religiosos.
Ele não aceitava a idéia da religião se originando pela revelação, segundo a qual Deus dá a conhecer Sua realidade aos homens; isso exclui a aparição a Moisés e acontecimentos como o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo, ou ainda as palavras de um anjo, como diz o Alcorão. Jammer diz ainda que a idéia da religião surgindo do medo não é de Einstein, ainda que provavelmente ele não tenha lido os autores que falaram disso antes dele.
O segundo estágio, ele escreveu, foi a “concepção social ou moral de Deus”, decorrente do “desejo de orientação, amor e apoio”. É o Deus que premia e castiga, ao qual ele já havia se referido anteriormente. Einstein via no Antigo e no Novo Testamentos uma ilustração admirável dessa transição de uma religião do medo para a religião da moral, ainda ligada a uma concepção antropomórfica de Deus.
O terceiro estágio Einstein chamou de “sentimento religioso cósmico” e, segundo explicou, é um conceito muito difícil de elucidar para as pessoas que não têm esse sentimento, uma vez que ele não comporta qualquer concepção antropomórfica de Deus. Ele disse que “os gênios religiosos de todas as épocas distinguiram-se por esse tipo de sentimento religioso, que não conhece nenhum dogma e nenhum Deus concebido à imagem do homem; não pode haver uma Igreja cujos ensinamentos centrais se baseiem nele. Assim, é entre os hereges de todas as eras que vamos encontrar homens que estiveram repletos desse tipo mais elevado de sentimento religioso, e que, em muito casos, forma encarados por seus contemporâneos ora como ateus, ora como santos. Vistos por esse prisma, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Espinosa assemelham-se muito”.
APESAR DE TANTAS DEMONSTRAÇÕES DE QUE NÃO ERA ATEU, mas que via a religiosidade de uma forma particular, até recentemente Einstein era citado como um ateu. Numa conversa como príncipe Hubertus de Löwenstein, disse que o que realmente o aborrecia era que as pessoas que não acreditam em Deus viviam citando-o para corroborar suas idéias. Jammer cita um livro popular sobre a vida do cientista, publicado em 1998, em que surge a frase “ele (Einstein) foi ateu a vida inteira”, apesar de uma citação de Einstein no mesmo livro contradizer essa afirmação: “O Divino se revela no mundo físico”.
O maior problema parece ser mesmo a dificuldade das demais religiões em aceitar uma religião na qual as instituições e os dogmas perdem os sentido. Elas não aceitam essa situação, como não podem aceitar um homem que diz que “se você ora a Deus e Lhe pede algum beneficio, não é um homem religioso”.
Einstein não desrespeitava as religiões estabelecidas, mas apenas não concordava com elas. Jammer diz que ele venerava os fundadores das grandes religiões, e isso pode ser visto numa mensagem que enviou à Conferencia Nacional de Cristãos e Judeus, em 1947. “Se os fieis das religiões atuais”, escreveu Einstein, “tentassem sinceramente pensar e agir segundo o espírito dos fundadores dessas religiões, não existiria nenhuma hostilidade de base religiosa entre os seguidores dos diferentes credos. Até os conflitos no âmbito da religião seriam denunciados como insignificantes”.
Hoje em dia, muitos religiosos dizem exatamente isso, tendo em vista a situação explosiva em que p mundo se encontra, em grande parte devido a conflitos religiosos. Na religião de Einstein, os conflitos seriam impossíveis de existir.
(Extraído da revista Sexto Sentido 52, páginas 24-30)