WILLIAM CROOKES

Não resta dúvida de que Sir William Crookes foi, além de um dos cientistas mais respeitados do século 19, uma das pessoas fundamentais para o estabelecimento da investigação científica dos fenômenos ligados ao Espiritismo, e que redundaram com o desenvolvimento da parapsicologia.

Gilberto Schoereder
William Crookes (1832-1919) já foi considerado entre os mais importantes cientistas do século 19, tanto no campo da física quanto da química. Além disso, teve um papel fundamental no desenvolvimento das pesquisas científicas relativas aos fenômenos psíquicos, ou paranormais. O que se diz é que, juntamente com Charles Richet, ele iniciou o período científico da metapsíquica, que posteriormente passou a ser chamada de parapsicologia.

O cientista brasileiro Hernâni Guimarães Andrade disse que nenhum cientista levantou tanta celeuma com as afirmações sobre os fenômenos que estudou, nenhum teve sua reputação tão atacada e nenhum foi tão firmemente honesto em suas convicções científicas quanto ele.

A partir de 1856, Crookes se dedicou totalmente ao trabalho cientifico, utilizando seu laboratório particular. Ele começou a estudar no Royal College of Chemistry com 15 anos, e herdou uma grande fortuna de seu pai, o que certamente lhe deu grande liberdade para pesquisar. Em 1861, descobriu o elemento químico tálio que, indiretamente, o levou à invenção do radíômetro (instrumento para medir a intensidade dos raios luminosos e caloríficos), em 1875. Posteriormente, ele desenvolveu um tubo de vácuo, que foi o precursor do tubo de raios X, e seus estudos sobre os raios catódicos foram fundamentais para o desenvolvimento da física atômica.

O chamado “tubo de Crookes”, que ele desenvolveu em 1878, foi pioneiro no estudo das descargas elétricas no vácuo, e ainda é utilizado hoje em dia, praticamente em sua forma original, para estudar a passagem de uma corrente elétrica através de gases, como o ar.

Quando os chamados “fenômenos espiritualistas” ganharam evidência no mundo, após os acontecimentos com as irmãs Fox, em 1854, vários médiuns começaram a demonstrar inúmeros fenômenos como levitação, materializações e muitos outros. Assim, já carregando uma reputação internacional, Crookes resolveu investigar o espiritualismo. A história diz que, a princípio, ele se mostrava muito cético, mas afirmava que era o dever dos homens de ciência – que aprenderam as formas corretas de trabalhar e pesquisar – examinar fenômenos que atraíam a atenção do público, para confirmar se eram genuínos ou, se possível, explicar as ilusões e os truques realizados por aqueles que pretendiam enganar as pessoas.

O ceticismo começou a desaparecer quando ele realizou experiências com Daniel Dunglas Home, um dos mais famosos médiuns da época, convencendo-se de que ele possuía uma força psíquica poderosa. Claro que essa “conversão” teve seu preço: a comunidade cientifica estava esperando que Crookes rejeitasse a realidade dos fenômenos, e sua manifestação a favor chocou seus colegas.

As experiências mais famosas foram as com a médium Florence Cook, que dizia materializar um espírito que chamava de Katie King. Crookes obteve um total de 44 fotografias do espírito. Se as experiências anteriores chocaram a comunidade científica, essas despertaram uma verdadeira hostilidade, e ele chegou a ser acusado de agir em cumplicidade com Florence Cook.

O interesse do cientista pelos fenômenos começou depois de ter assistido a uma sessão com a médium Mary Marshall (18421884), em julho de 1869, na qual ocorriam fenômenos como raps, movimentos e levitação de mesa, escrita direta em quadros-negros, etc. Em dezembro do mesmo ano, ele assistiu a sessões do sensitivo J.J. Morse (1848-1919), considerado o maior médium psicofônico da época. E, em julho de 1870, depois que Henry Slade chegou a Londres, Crookes anunciou sua decisão de investigar os fenômenos através do artigo chamado Spiritualism Viewed by the Light of Modern Science (O Espiritualismo Visto à Luz da Ciência Moderna), publicado no Quarterly Journal of Science. Ele declarava que não tinha opiniões preconcebidas a respeito do assunto, e que a investigação tinha sido sugerida “por um eminente homem que exercia grande influência no pensamento do país”. Ele ainda escreveu que “[...] O crescente emprego dos métodos científicos produzirá uma geração de observadores que lançará o resíduo imprestável do espiritualismo, de uma vez por todas, ao limbo desconhecido da magia e da necromancia”.

Esse artigo fez com que a imprensa e os cientistas tivessem uma idéia errada a respeito do que Crookes pretendia fazer, entendendo que o resultado das experiências e pesquisas seria, inevitavelmente, contrário à existência dos fenômenos e ao espiritualismo em geral. Hemâni Guimarães Andrade entendeu que essa aversão ao espiritualismo na época podia ser por influência da filosofia positivista, bastante presente nas elites culturais da Europa.

Da mesma forma, o relatório publicado pela London Dialectical Society, em 1870 – e que concluía que os fenômenos ligados ao espiritualismo eram verdadeiros – teve uma péssima repercussão, tanto na imprensa quanto entre cientistas, apesar de apresentar experiências realizadas por pessoas acima de qualquer suspeita.

As investigações do Crookes, realizadas entre 1869 e 1875, envolveram vários médiuns famosos, como Daniel Dunglas Home, Kate Fox, Charles Edwards Williams, Florence Cook, Annie Eva Fay, Stainton Moses e outros.

Alguns pesquisadores entendem que as experiências realizadas com D.D. Home foram as que tiveram o melhor controle científico, e constam dos arquivos da Society for Psychical Research. Apresentaram fenômenos de efeitos físicos como a movimentação de corpos pesados, sem contato e sem esforço mecânico do médium. Crookes chegou a construir aparelhos para medir os fenômenos, como alavancas, dinamômetros e aparelhos para registros gráficos.

Home ficou mais conhecido pelo fenômeno da levitação, e Crookes disse que “[...] Há pelo menos 100 casos bem verificados de elevação do Sr. Home, produzidos em presença de muitas pessoas diferentes”. O cientista também citou outros fenômenos, como os luminosos e de materialização parcial. “Em plena luz”, relatou Crookes, “vi uma nuvem luminosa pairar sobre um heliotrópio colocado em cima de uma mesa, ao nosso lado, quebrar-lhe um galho, e trazê-lo a uma senhora; e, em algumas ocasiões, percebi uma nuvem semelhante condensar-se sob nossos olhos, tomando uma forma de mão, e transportar pequenos objetos”.

Ele também citou casos de materialização parcial, como a em que uma mão se formou, elevou-se de uma mesa e deu uma flor a Crookes. Algumas vezes, ele informou, os membros materializados tinham a aparência de uma nuvem vaporosa e, quando tocadas, às vezes davam a sensação de serem frias como gelo, outras vezes quentes e vivas, chegando a cumprimentar o investigador. Em outra oportunidade, Crookes tentou segurar a mão, e ela simplesmente se desmaterializou.

As investigações seguintes foram com a médium Kate Fox, e os resultados foram publicados no Quarterly Journal of Science, em 1871, resultando numa série de cartas e artigos atacando seu trabalho, os quais ele refutou ponto por ponto.

As ectoplasmias de Katie King estão entre as pesquisas mais importantes e conhecidas de Crookes. Envolveram a médium Florence Cook (1856-1904) e renderam uma série de fotografias obtidas numa sessão realizada em 1874.

Na época em que entrou em contato com Crookes, a médium já era conhecida por materializar o espírito de Katie King, pseudônimo adotado pelo espírito de Annie Owen Morgan, e que era o espírito-guia de Florence.

A jovem procurou Crookes e pediu que ele investigasse sua mediunidade após um incidente ocorrido durante uma sessão de materialização. Ela se encontrava dentro de uma cabine, amarrada, e com um lacre impresso com o sinete do anel do conde de Caithness, um dos que acompanharam a sessão. Quando Katie King surgiu, um dos presentes, W. Volckman, desconfiou de fraude e avançou contra Katie, agarrando uma de suas mãos e prendendo-a pela cintura. Volckman disse que Katie se libertou com violência, enquanto um advogado que também acompanhava o evento disse que ela escapuliu sem deixar qualquer traço de sua existência corporal, inclusive dos véus brancos que a envolviam. Depois de se restabelecer a calma no aposento, abriram a cabine e encontraram Florence do mesmo jeito em que estava antes, inclusive com o lacre nas amarras que a envolviam. Diz-se que, como resultado desse incidente, a jovem adoeceu.

As primeiras experiências apresentaram uma ectoplasmia em que Katie King se assemelhava um pouco à própria Florence Cook.

Posteriormente, as sessões foram organizadas no laboratório de Crookes, e foi nesse local que ocorreram as melhores ectoplasmias; as fotografias obtidas mostravam, ao mesmo tempo, a materialização e a médium. Na narração de Crookes: “[...1 Voltando ao meu posto de observação, Katie apareceu de novo e disse que pensava poder mostrar-se a mim ao mesmo tempo que a sua médium. Abaixou-se o gás e ela pediu-me a lâmpada fluorescente. Depois de ter se mostrado à claridade durante alguns segundos, restitui-me, dizendo: ‘Agora entre e venha ver a minha médium’. Acompanhei-a de perto à minha biblioteca e, à claridade da lâmpada, vi a srta. Cook estendida no canapé, exatamente como eu a tinha deixado; olhei em tomo de mim para ver Katie, porém ela havia desaparecido...”

Em outra ocasião, ele também teve oportunidade de ver a materialização e a médium ao mesmo tempo, e teve permissão para abraçar Katie King. Ao escrever sobre esse momento no The Spiritualist, Crookes disse que “[...] O sr. Volckman ficará satisfeito ao saber que posso corroborar a sua asserção de que o ´fantasma´ (que, afinal, não fez nenhuma resistência) era um ser tão material quanto a própria srta. Cook”.

Nenhum ataque que Crookes sofreu ao longo de sua vida resultou em qualquer alteração em seus pontos de vista, uma vez que ele estava certo de ter realizado as experiências com a abordagem e os controles científicos corretos. Em 1898, ele escreveu que, apesar de terem se passado trinta anos desde que realizou e publicou os resultados de suas primeiras experiências, ele não tinha nada de que se retratar, e nada que alterar.

Hernani Guimarães deu mostra do reconhecimento que Crookes recebe hoje em dia ao dizer que “[...] após mais de um século, a extraordinária figura de William Crookes emerge límpida e majestosa, desafiando serenamente aqueles que ainda tentam, em vão, enlamear-lhe a imagem. A obra deste sábio extraordinário tem resistido aos embates do tempo e aos ataques mesquinhos de seus adversários gratuitos, unicamente porque é toda ela límpida e cristalinamente apoiada sobre uma granítica base de fatos. Quem estuda, sem má-fé e sem preconceitos, os trabalhos de William Crookes, impressiona-se pela pureza, simplicidade e clareza meridiana de seus relatórios. Dos seus trabalhos, transpiram a sinceridade, a firme convicção e a serenidade de um sábio que tranqüilamente proclama a verdade, sem inquietar-se com o julgamento dos demais, por achar-se seguro de que o erro está com aqueles que negam a evidência dos fatos”.

A tenacidade com que Crookes perseguiu e se dedicou ao método cientifico de experimentação dos fenômenos que assombravam o mundo na época abriu caminho para outros cientistas. Para muitos dos que, hoje, se dedicam a essas pesquisas, ele foi um dos responsáveis, e talvez o grande responsável, pelo desenvolvimento da metapsíquica, que posteriormente resultou na parapsicologia.

William Crookes acreditava que existia uma “força”, exercida por uma inteligência diferente da inteligência comum “dos mortais, e que o conhecimento cientifico não conseguia perceber. Em um de seus importantes textos a respeito dos fenômenos que estudou, Crookes disse ser “[...] absolutamente verdadeiro que uma conexão foi estabelecida entre este mundo e o outro”.

O que se espera é que os atuais pesquisadores sigam o exemplo do cientista, pesquisando sem preconceitos, mas ao mesmo tempo obedecendo aos critérios necessários para as experiências. E sempre considerando que é absolutamente necessário estar com a mente aberta para receber os resultados das investigações, quaisquer que eles sejam.

(Revista Espiritismo e Ciência, Ano 2, número 8: Páginas 38-44)

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