O PROFESSOR ASSEDIADOR

Acordei no meio da noite, sob um violento EV * que me sacudia todo. Antes que desse por mim, já estava desperto, num local descampado e cinzento, um tanto lúgubre, até. Mesmo assim, resolvi explorar os arredores. Mal havia começado a volitar por ali, quando, por detrás de um muro arruinado, vi surgir uma dantesca criatura, caminhando em minha direção. Seu corpo esverdeado e famélico emergia por entre trapos sujos, e os olhos, dois carvões incandescentes, brilhavam afundados nas fauces trágicas. Aproximava-se cada vez mais, brandindo um livro esfarrapado entre as mãos descarnadas. Fiquei hirto, gélido, apavorado. Tentei lembrar de mantras, mas não conseguia lembrar nem de meu nome. Pensei em mandar energia, raios laser, qualquer coisa, mas minhas mãos estavam coladas ao corpo. A criatura já estava bem próxima. Imobilizado como estava, achei que a única coisa que podia fazer no momento era tentar algum tipo de comunicação. Olhei o ensebado livro que o espectro trazia nas mãos: uma gramática da língua portuguesa.
... Deduzi de imediato que a criatura era um professor desencarnado, pagando sabe quais pecados, ali naquele ermo. E já sentindo a proximidade daquela boca babujada, que quase colava-se a meu pescoço, decidi interpelá-lo, procurando usar palavras mais eruditas, que impressionassem o antigo professor: "Quem sois, de onde vens?" Ao ouvir tais palavras, o monstro recuou. Pensei comigo mesmo, que poderosa arma tinha eu agora, que mantra, que encantamento o havia feito retroceder? Acabei atinando: Ah, claro, a concordância verbal, se digo “quem sois”, devo completar com “de onde vindes”, e não “de onde vens”... Envergonhado, já ia me corrigir, quando percebi que aquilo poderia ser minha salvação. Resolvi tentar de novo e bradei: "Limpeza com S!" O fantasma gemeu, e recuou mais. Não dei trégua: "Estranho com X!" Ele recuava, cada vez mais. Não tive piedade. "Ansioso com C!". A aparição começou a cair de joelhos. Suas faces, do verde cadavérico original, passavam rapidamente pelo marrom-decomposição, e coloravam-se de um tom cada vez mais violáceo. Decidi dar-lhe o golpe de misericórdia, e gritei: "impecilho!" Enfiando as unhas no próprio peito, o espectro urrou: "Não, ´impecilho´ não, maldito encarnado, o certo é "empecilho"... Resolvi usar armas ainda mais poderosas contra aquele farrapo de professor: "Alkmin! FHC!" A criatura tombou, vencida. Começou a liquefazer-se. No lugar onde caíra, a única coisa visível, agora, era uma poça lamacenta, encimada por um velho par de óculos (sim, pois os óculos se vendem aos pares, um para cada olho). Mais calmo, agora com pena e um pouco arrependido, ajoelhei-me junto à poça, e comecei a dirigir frases bondosas e consoladoras àquela triste sopa de letrinhas: "Salário em dia, descongelamento e reajuste salarial, melhor qualidade de ensino, fim da intervenção de deputados na administração escolar, mais investimento em educação..."

E, a cada frase, a lama ia se tornando menos densa, mais luminosa, até que um novo professor, sorridente, corado e robusto, emergiu dali por inteiro, qual ave fênix rediviva...

E ato contínuo, começou a elevar-se no ar, a subir, subir, subir cada vez mais, provavelmente em direção a píncaros mais egrégios, lá onde devem repousar aqueles que dedicaram a vida a ensinar seus dessemelhantes...

- Bene (Que não é professor, mas simpatiza com a classe) -


- Nota:
* EV: Sigla para “Estado Vibracional”. Trata-se da aceleração vibracional que ocorre muitas vezes antes ou após uma projeção da consciência.
Ver mais no livro “Viagem Espiritual II” (disponibilizado para leitura gratuita aqui mesmo no site).

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