UMA CONVERSA SURPREEDENTE NO HOSPITAL

(Entrevista com Durvalino Rodrigues, técnico de necropsia do Hospital do Câncer)
- Por Mauricio Santini -
O setor de Anatomia Patológica do Hospital do Câncer fica no 1º subsolo do prédio antigo. A minha expectativa era fúnebre. Já fui preparado com patuás no bolso, dentes de alho, entre outros. Enfrentaria uma sala de autópsia. Eu nunca tinha entrado numa sala destas. E o homem então? Como seria? Uma espécie de coveiro? Daqueles que te olham nos olhos já te enterrando! E lá fui eu, com a cara e a coragem. Desci as escadas e fui penetrando nos recônditos do hospital.

Quando cheguei lá fui recepcionado por uma moça sorridente que me pediu para que eu aguardasse na sala de macroscopia. Fui observando tudo ao redor. Havia um vidro com um pequeno feto na prateleira e vários sacos plásticos com líquidos dentro. No mínimo, formol, pensei. Vixe Maria! Havia umas mesas onde algumas mulheres analisavam um pedaço pequeno de carne. Era um tumor! Uma moça, particularmente, ria muito de mim, da minha cara. Talvez da cara de espanto sorridente. Mas não fiquei estagnado. Fui até a porta e vi, na parede em frente, um quadro com um mapa inteirinho do departamento. A disposição era esta: uma sala pequena, à direita, com computador; uma sala mais ampla - aquela da mastectomia; outra ao lado desta - a da microscopia, a da autopsia e, por fim, a do velório. Eram ambientes mimosos à meia-luz!

Sai no corredor e respirei fundo. Neste momento divisei um homem baixo e calvo, vindo em minha direção. Era ele. Eu sabia que era ele. Um detalhe que me chamou a atenção foi as suas mãos brancas! Era bem peludo mas tinha as mãos muito claras. Iniciei o diálogo:

-Sr. Durvalino!

-O senhor é o sr. Maurício.

-Em carne e osso. - falando já a língua da autópsia.

Manifestei, de pronto, a minha intenção de conversar com ele em um lugar mais tranqüilo. E assim, ele me convidou para irmos à sua sala. A sala da autópsia! Logo que cheguei veio um cheiro de formol impressionante. Aliás, marcante, eu diria. Ficou nas minhas narinas por horas. A sala tem duas mesas de mármore com um ralinho e chuveirinho. Anexo, há, em cada mesa fria, uma pia. Do teto, desce aquelas luminárias de alumínio. Sentei numa cadeira com almofada e o Durvalino na minha frente. Mas que cara de técnico de necropsia esse cara tem! Ele iniciou sua narrativa contando que exerce essa profissão há 31 anos. Começou no Hospital do Servidor, onde está até hoje. Concomitantemente foi para a Escola Paulista de Medicina e de lá foi encaminhado para o Hospital do Câncer, em 1982. Eu perguntei a razão pela qual ele havia optado por essa profissão. A imaginação da gente começa a pregar peças (eu era açougueiro e..., eu sou de uma família de necrófilos etc) E a resposta não poderia ter sido outra. A mais óbvia. Grana. Essa profissão costuma a ganhar uns 40% a mais que qualquer técnico de manutenção de telefones, sua profissão anterior.

E fomos conversando...Quando, da minha surpresa, pude ver algo no mínimo curioso. Não se tratava de pedaços ou descartes e sim, uma caixa com cds "new age" com sons que imitam a natureza. O que estaria fazendo esses cds ali? O homem, vendo o meu espanto disse: - Coloco para relaxar um pouco e até mesmo para fazer as necropsias, quando o médico deixa. Eu não poderia deixar de tecer comentários elogiosos diante daquela postura. Como sempre tive a espiritualidade como convicção argumentei que isso talvez ajudasse no transpasse do ex-encarnado para o outro lado. Mas não o disse com estas palavras. Falei de maneira mais simples. E não é que o homem me confidenciou que fazia Yoga e sabia da existência de uma realidade extrafísica, obviamente em outra dimensão! Fiquei perplexo. E disse mais. Disse que certa vez um amigo espírita criticou o fato dele fazer esse tipo de trabalho e que isso era prejudicial aos espíritos. Porém, a sua réplica não poderia ter sido a mais genial: -Eu sou parte de um contexto necessário. Deus utiliza os meus serviços em prol da ciência. Alguém teria que fazer este serviço.

Não me sinto corajoso por isso e, sim, útil. A partir de necropsias, autópsias e biópsias muita gente se cura!
E depois desse aprendizado, foi me contando toda a sua história, com detalhes mórbidos. Como se fazia uma necropsia. Seu estudo sobre técnicas de dissecção de órgãos. A leitura de uma série de livros a respeito. Falou do seu mestre na área - o Prof. Antonio das Graças. Que a primeira autópsia a gente nunca esquece! Que a estréia foi numa criança, mas que só observou. E que a segunda foi ele mesmo quem fez e que sabia o nome e se lembra até da fisionomia dela...Em suma, um relatório completo. Eu me sentia como se estivesse assistindo a um episódio da Família Adams.

O sr. Durvalino disse que nunca se impressionou ou teve medo de cadáver. Dorme como anjinho, por volta de duas horas diárias! Duas horas, eu disse! Come muito bem. Aliás, vai a churrascarias e devora nacos de carne, sim senhor! E não é só essa a sua função. Ele busca corpos, ajuda a Djanira a vestir os falecidos etc. Certa vez, ele me contou que foi buscar uma senhora que acabara de morrer. A filha desta senhora chorava copiosamente em cima do caixão. No velório do hospital existem três macas onde ficam expostos, nos devidos caixões, os falecidos. Durvalino teria que pegar a mulher para fazer uma necropsia. Assim, ele pediu licença a moça para levar o corpo. Ela assentiu recomendando que ele tomasse cuidados com a sua mãezinha. Quando ele foi conferir o nome da senhora ele tomou um susto. A mulher estava chorando sobre o defunto errado. Não era nada daquilo, ou melhor, daquela. Ele avisou a moça que ficou um tanto sem jeito. Porém, voltou a chorar, agora em cima da pessoa certa.

Esse pacote de histórias sobre a vida, esses relatos, entre os trágicos e os cômicos. Essa intrigante curiosidade de um simples técnico em necropsia que é crente numa manifestação espiritual... Essa cruzada de homens, heróis e abnegados. Tudo isso faz com que o Hospital do Câncer seja, no mínimo, algo além do especial. Onde a morte costuma dançar com a vida sob uma linda trilha sonora de amor. Dessa maneira, saí, mais uma vez, dessa série de reportagens recolhendo os meus pedaços...

- Nota de Wagner Borges: Maurício Santini é nosso amigo de muitos anos. Ele é jornalista e escreve textos muito inspirados, e nos autorizou a postagem dessa entrevista. Há outros textos dele postados em nossa seção de textos projetivos e espiritualistas em meio aos diversos textos já enviados pelo site.

Obs. Maurício e Frank são dois dos nossos amigos que estarão presentes com seus ricos textos em nosso novo site ampliado. Ambos terão colunas específicas para a postagem de seus escritos.

Se tudo ficar pronto nesses próximos dias, é bem provável que o nosso site ampliado (na verdade, um pequeno portal repleto de informações espiritualistas e projetivas) já esteja disponível na Internet na próxima semana.

Avisaremos a todos no próximo envio de texto.

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