MEU PERSONAL TRAINING

Absorta no interior dos meus alguns quilinhos a mais, passeava furtivamente pela praia, desfilando meu novo suquine ( para quem não sabe do que se trata, suquine é um biquíni grande, encomendado sob medida, afinal nunca se encontra um para comprar nas lojas, pois, segundo as magricelas entendidas de beleza feminina, gorda tem que usar maiô bem comportado, com suporte de mamas e bumbum coberto) pensava na dureza que teria que enfrentar nos próximos meses: por ordem médica terei que PERDER PESO, no mínimo uns 20 quilos. Aquele blá blá blá de sempre; COLESTEROL, TRIGRICÉRIOS, e por aí vai... Temas esses muito atualizados para os gordinhos de plantão, e no entanto, nem tão interessantes assim.

Pensava e pensava, elocubrando uma forma prazerosa de ANDAR, tendo em vista que essa palavra passou a ser a minha maior perseguição nos últimos anos, na voz do médico, do marido, da filha, e por incrível que pareça, até dos amigos, e soa como uma grande provocação...

Adoro andar! Mas na Gran Via, em Madri, na Ville Caftiére, no Centre, em Paris, e em outros lugares mais aprazíveis, e não pela belíssima orla marítima de Salvador, sob um sol dourado de verão, que não só queima o corpo, mas a alma e as idéias também.
Refletia e refletia, tinha que haver algo... lembrava dos infinitos argumentos que costumo aplicar sempre que me mandam andar: "Mas eu não paro, só dou aulas de pé, subo e desço muitas vezes as escadas da Escola... Danço pelo menos uma vez por semana e me sinto ótima, maravilhosa..."

Tudo em vão, não convenço ninguém... e o pior é que nem a mim mesma.

Preciso me disciplinar e andar... pensava e caminhava pela areia da praia... É chegado o momento de encarar essa batalha de frente e ir à luta.

Refletia serenamente, entretanto, a ponta aguda da culpa me doía o coração ao me lembrar das tantas vezes em que comprei malhas adequadas, tênis de impacto, esteiras, bicicletas, faixas vibratórias, gel redutor, e o que é pior, as tantas vezes que paguei um mês adiantado nas academias e jamais passei de uma maravilhosa semana. Do tempo em que me desculpava tentando amenizar a minha máxima culpa, lembrando que tudo se devia aos compromissos profissionais, horários, etc...

Quando percebi, um grupo de belas jovens me observavam e sorriam. Apurando mais meu sentido de observação, percebi que estava sendo alvo de sorrisos críticos das gatas malhadas.

Pensei: "Interessante, são tão jovens! Estão tão fortemente convencidas de que o mundo se encerra ali, naqueles corpinhos magrinhos e belos, que um dia também desfrutei. Que pena que os belos olhos ofuscados pela luz do sol, e as cabecinhas atravancadas não lhes permitam vislumbrar a luz da perspectiva do amanhã. A luz de uma meta a seguir, mais consciente dos verdadeiros valores que lhes permitam chegar até aqui, assim plena, alegre e feliz como me sinto agora, cujo o único problema é: emagrecer..."

Voltei para casa sem uma solução e chateada com as gatas malhadas... Naquela noite, ao terminar uma palestra sobre os "Novos Valores Éticos na Sociedade do Terceiro Milênio", encontrei uma antiga colega, que após assistir à palestra me esperou para tecer seus comentários. Ela achou muito interessante eu ter ilustrado a palestra contando a minha vivência na praia pela manhã e a minha grande preocupação em achar uma maneira prazerosa para andar, e me sugeriu contratar um Personal Training. Achei a idéia interessante, mas sem muito propósito, até mesmo meio esnobe, e não faz meu estilo.

Encerramos a conversa, e ela me deu o telefone de uma outra colega, cujo filho, que tinha sido meu aluno no ginásio e no colegial (ou seja, já o conhecia bem), hoje é seu Personal Training. Guardei o número do telefone achando que jamais usaria para aquela finalidade.

No dia seguinte, a idéia de ter alguém que por força profissional me obrigasse a andar já não era de toda descartada. No outro dia, já mais convicta, liguei para o jovem professor de Educação Física. Ao me identificar, alegria e entusiasmo com seu carinho para com a ex-mestra, demonstrou interesse e profissionalismo. Acertos feitos e hora marcada, corro para a gaveta da roupa adequada. Reprogramo meus horários e meus objetivos...

O jovem professor é pontual, e eu, disciplinadamente pronta. Contato inicial, ficha de monitorar feita, começamos a caminhar...

Conversávamos alegremente, quando senti que era observada... e lá estavam elas... as belas gatas malhadas. Contei ao meu gato-professor malhado sobre as minhas observadoras, e rimos juntos. Todos os dias, os risos se repetem, e ambos refletimos sobre quais os pensamentos que lhes fazem sorrir ao nos observar.

Então, resolvi cumprimentá-las com um sorriso, mas sem esperar reação.

Hoje, depois de uma semana de sorrisos trocados, elas se aproximaram.

Perguntaram meu nome e se o meu belo professor malhado era o meu namorado.

Sorrindo, respondi que não.

Daí, perguntaram: "Então, é seu filho?"

Também não... respondi.

Ele, serenamente, sem lhes olhar, concentrado na minha pulsação, respondeu:

"Poderia ser qualquer um desses aí que vocês perguntaram. Mas sou seu Personal Training, o que significa que ela pode, e espero que vocês, ao chegarem na plenitude dela, também possam... mas muito terão que aprender para andar..."

Finalmente encontrei uma maneira prazerosa para andar todas as manhãs pela bela orla da minha cidade.



P.S.: "É prioritário para a paz interior, desenvolver o hábito de acalentar sonhos. Só estes estimulam a felicidade e a força para se ir além"...


- Graça Lúcia Azevedo / Senhora Telucama -
Salvador, 12 de agosto de 2004.

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