COM KRISHNA, NA ESTRADA DO AMOR
(Texto postado originalmente na lista do grupo de estudos e assistência espiritual do IPPB)
Ele estava no ônibus velho e lotado de pessoas que, assim como ele, voltavam do trabalho. Sentia uma certa náusea, pois o ar estava quase rarefeito e o suor das pessoas o incomodava muito. O veículo estava tão lotado e, no mínimo, estava comportando o dobro de sua capacidade. Às pessoas, literalmente, brigavam por alguns centímetros de espaço, a fim de não caírem quando o ônibus fizesse algum movimento mais brusco. Jovens sentados ignoravam as pessoas mais idosas e não se ofereciam para dar o lugar. Outros passageiros fingiam estar dormindo a fim de não segurar bolsas e outros objetos das pessoas que estavam em pé, à sua frente. Velhos, crianças, mulheres, homens: todos estavam ali, desanimados e derrotados. Suas faces não negavam a tristeza que rodeava seus corações. Até quando essa vida, meu Deus? Esse era o pensamento que percorria suas almas.
Essa era a rotina diária que João Maya presenciava todo dia. Não via a hora de chegar em casa e pensar e tentar ver o menino Krishna. Que sufoco, todo dia essa mesma lata de sardinha! Mesmo tendo um emprego melhor do que a maioria daquelas pessoas ali no ônibus, não tinha condições ainda de comprar um carro. Por enquanto teria que "viver com essas pessoas", duas vezes por dia: na ida e na vinda do trabalho. Fazer o quê???
Pensou no prana (energia) que ele, como praticante de Yoga, sabia manipular e sentiu dó daquelas pessoas que mal sabiam respirar corretamente. Elas sabiam lá cantar o mantra Hare Krishna? Elas sabiam fazer as posturas psicofísicas que ele sabia? Elas já tinham tido a iniciação de um Mestre de linhagem indiana? E leve zombeteiro sorriso quase explodiu de sua boca...
No meio desse turbilhão de pensamentos, viu um menininho de cara muito alegre, olhos lindos que pareciam dois sóis recém-criados. Sua pele era branquinha, mas se ele, João Maya, não fosse desconfiado de muitas coisas que os olhos físicos duvidam, juraria que sua pele era bem azulzinha... Sendo desperto pela voz do menino, saiu de seu mundo de reflexões. O menino, todo sujo e com as roupinhas rasgadas, chegou perto e disse:
- Moço, o senhor poderia comprar esse pacote de balas de mim? Eu preciso ajudar muito minha família e uma certa pessoa...
Quando se preparava para dar um sonoro não - pois odiava moleques que vendiam coisas nas ruas e ônibus, achava aquilo tudo muito errado! - sentiu um barulho enorme e seu único olhar foi de ponta-cabeça: o ônibus havia atropelado alguém e havia capotado. Sentiu uma forte pancada na cabeça e no coração. Rogou ajuda de seus mestres que ainda estavam vivos e nada. Uma forte decepção tomou conta de seu coração. Pela primeira vez na vida, percebeu que aqueles homens vestidos de roupas indianas eram apenas homens... Pessoas comuns, como ele. E que seus nomes não eram mantras de salvação coisa nenhuma! No maior dos desesperos, pensou no Mestre de Olhos de Lótus, e uma prece saiu de seu coração: “Menino Krishna, por favor, me ajude, por favor..." E perdeu, de vez, os sentidos.
Saindo, lenta e pesadamente de seu corpo carnal, João Maya atravessou os limites do mundo físico e deparou-se no mundo astral, o mundo dos espíritos, o Mundo da Verdade. Sentiu que uma música extremamente amorosa o puxava para longe. Muitas pessoas também eram atraídas por essa música celestial. Era tão doce essa música que tinha certeza que o nome de seu Amado Krishna estava ali. O engraçado era que via que todos cantavam com consciência essa música, de crianças até velhos, pessoas de várias classes sociais e de todas idades e de ambos os sexos. E quanto mais cantavam mais rápido eram transportadas para um lugar que ele sabia ser muito bom. O engraçado era que as pessoas cantavam com o coração. Tentou fazer o mesmo, porém parecia que o nome de Krishna emperrava dentro de seu peito, ao passo que todos ali cantavam suavemente o nome do Menino Celestial. Ainda se sentia pesado e lento. Teve a impressão de que alguém o ajudava a locomover-se, pois se dependesse de suas próprias forças não acompanharia aquela multidão. Tudo que sabia era que deveria acompanhar aquelas pessoas. E assim, com essa ajuda estranha a sua percepção, juntou-se à multidão astral.
Chegaram todos a uma estrada. Ele foi o último. Todos estavam fazendo aquela reverência com as mãos, cada pessoa fazia um pujá e unia as duas mãos em frente do peito e cantavam celestialmente o nome de Krishna. O mais estranho era que a estrada era feia, barrenta e cheia de buracos. João Maya não entendia aquelas pessoas... Por que faziam aqueles gestos e cantavam o nome de Krishna, num lugar feio, numa estrada horrível... Nessa estrada só havia uma porteira e em volta dela, muitos arames farpados, que impediam a entrada sabe-se lá para onde. Era um bando de loucos, pensou.
De repente, todas as pessoas começaram a abrir a porteira e, uma a uma, organizadamente, começaram a entrar e caminhar a um destino que seus olhos não conseguiam alcançar. Ele não conseguia se mexer e caiu no chão chorando. Lágrimas grossas de orgulho ferido saíam de seus olhos. Pela primeira vez na vida entendeu que não era um super-herói da espiritualidade. Soluçando como uma criancinha perdida dos pais, deixou sua cabeça cair na terra e amaldiçoou sua existência. Por que tanto orgulho? Por que tanto sentimento de superioridade? De que tudo isso adiantava para ele agora? Perdendo toda a noção de tempo, chorou, chorou e chorou. Quando estava chegando a ponto da loucura máxima, aquele momento em que pensou que iria se desintegrar no universo da dor, ouviu passos leves e suaves como o vento da primavera. Um forte cheiro de rosas e flores, de todos os tipos e tamanhos, cores e essências, invadiu o ambiente. Um avassalador som de flauta que fazia até o chão dançar tomou conta de todo o seu ser. Duas mãos suaves e poderosas, bem azulzinhas, levantaram-no.
Quando conseguiu entender o que se passava, entendeu que era o Menino Krishna que estava ali, pessoalmente! A emoção foi tão forte que só a palavra AMOR poderia ser proferida de seus lábios. Estava totalmente paralisado. E o Senhor dos Olhos de Lótus continuava a tocar a sua flauta. Após um tempo em que João Maya sentiu que muita coisa ruim foi retirada de sua mente e coração, pode articular as primeiras palavras.
- Mestre, por que todas aquelas pessoas entraram por aquela porteira e eu, que há tanto tempo canto os seus nomes sagrados, não consegui? Por quê?
- Amado filhinho, não é só repetindo meu nome mecanicamente que se alcança o Estado de Bem-Aventurança. Essa é a Estrada do Amor e para caminhar por ela, só tendo conhecimento para abrir a porteira que permite o começo da caminhada Nela.
- Mas eu li os Livros Sagrados da Índia... E acho que eles não...
- Amigo, não confunda a palavra entendida e a palavra sentida. A primeira, qualquer pessoa pode concretizar, pois ela é fruto da arte de ler e escrever. Já a segunda, é a arte de ler e escrever com o coração. Geralmente, são os mais humildes que entendem as palavras que vêm dos céus...
Mas Menino Celestial, eu pratico Mantra Yoga todas os dias: de manhã, na hora do almoço, pois deixo até de comer para cantar seus nomes, e à noite, depois que chego do trabalho. Acho que ninguém que conseguiu passar por essa porteira sabe sequer o seu nome...
- Meu querido filho do Eterno, você confunde os meios com os fins. Que importa se me chamam de Krishna, Jesus, Buda ou qualquer outro nome? Você acha que não vou ao socorro daqueles que clamam pelo Amor do Criador do Universo? Já parou para pensar que AMOR é meu nome? Que sou UNIVERSAL e me manifesto de acordo com as condições locais, tanto as espaciais quanto temporais? Além do mais, saiba que é melhor você estar de barriga cheia e dar um sorriso para alguém; pois é muito melhor fazer o bem para o próximo em vez de ficar, egoisticamente, cantando os meus nomes.
- Mas Menino Amor, eu ouço as pessoas com carinho...
- Será realmente assim, amigo de meu coração? Lendo suas atitudes, que estão bem gravadas em você próprio, vejo você sendo grosso com uma cigana. Você a chamou de suja... Através dela, iria avisar você daquele assalto do qual você foi vítima... Lembra-se? Através daquele seu vizinho chato, a quem você tem nojo, eu iria falar para você que tinha esquecido o gás ligado... Como você não o escutou, sua casa explodiu... Tem memória daquele diálogo de seu chefe chato, quando ele disse para você ficar até mais tarde no trabalho? Teria evitado aquela chuva que levou você até o hospital, com uma séria pneumonia... E por aí, vai, amigo de minha alma. Quer ouvir mais sobre seu comportamento?
Com a cabeça caída, os olhos marejados de arrependimento, João Maya diz:
- Como posso mudar? O que fazer para melhorar?
- A todos me manifesto. Como podem me ver, ouvir, tocar e cheirar. Mas me apresento no coração de todos, sem exceção. Aquelas pessoas que abriram a porteira e tiveram acesso à Estrada do Amor sabiam, pelo menos minimamente, o significado da palavra Amor. Ame a tudo e todos, sem exceção. Aí poderá sempre conversar comigo diretamente, sem atravessadores do ego. Vá, volte e cumpra sua missão. Eu dou a minha benção em seu coração.
Sentido uma multidão em volta de si, João Maya abre os olhos físicos e vê as pessoas chorando de emoção, por ele ter voltado à consciência. Não acreditava que pessoas que não conheciam pudessem cometer tal ato de amor. Uma senhora, desdentada e bem mal-tratada pela vida, aproximou-se de João e lhe disse que só ele tinha ficado inconsciente com o acidente. Que todos rezaram pela sua recuperação. Agradecendo e tentando levantar, João percebeu que uma mão estava a segurar a sua há muito tempo. Era a mão daquele menino vendedor de balas... O menino contou que havia segurado sua mão o tempo todo, que não havia ele, menino, sofrido nada. Mas que alguém, dentro de seu coração, pedia para que ele fosse o sustentáculo do homem que havia perdido a consciência por um tempo de sua vida e que agora começava a voltar para a realidade...
Com as lágrimas escorrendo de sua face, João Maya pergunta o nome do menino.
- Pedro. Mas meus amigos me chamam de Balarama*, senhor. É porque ganho a vida vendendo balas da marca Rama...
- Meu novo amiguinho, gostaria muito de agradecer você, por toda a sua dedicação. Gostaria de tomar um sorvete comigo?
Com os olhos brilhando de alegria, o novo amiguinho de João Maya dá um sonoro e alegre "Simmmm!!!”.
E os dois partem, de mão dadas, para uma simples sorveteria da rua próxima.
PS: Pessoal, senti uma forte presença de vários hindus, aqui em casa. O nome de Krishna ficou ecoando dentro de mim e escrevi esta história sem pensar em quase nada. Ela pertence a eles, apenas a escrevi por inspiração.
Coloquei para ouvir o CD “Krishna Bajans”, de Jagit Singh e Chitra Singh.
Que Krishna possa abençoar a todos nós! **
- Washington da Silva -
- Notas:
* Balarama (do sânscrito): Irmão de Krishna.
** "Nesse momento, Arjuna pôde ver na forma universal do Senhor as expansões ilimitadas do Universo situadas em um só lugar, embora tenham sofrido muitos e muitos milhares de divisões." in Bhagavad Gita.
Ele estava no ônibus velho e lotado de pessoas que, assim como ele, voltavam do trabalho. Sentia uma certa náusea, pois o ar estava quase rarefeito e o suor das pessoas o incomodava muito. O veículo estava tão lotado e, no mínimo, estava comportando o dobro de sua capacidade. Às pessoas, literalmente, brigavam por alguns centímetros de espaço, a fim de não caírem quando o ônibus fizesse algum movimento mais brusco. Jovens sentados ignoravam as pessoas mais idosas e não se ofereciam para dar o lugar. Outros passageiros fingiam estar dormindo a fim de não segurar bolsas e outros objetos das pessoas que estavam em pé, à sua frente. Velhos, crianças, mulheres, homens: todos estavam ali, desanimados e derrotados. Suas faces não negavam a tristeza que rodeava seus corações. Até quando essa vida, meu Deus? Esse era o pensamento que percorria suas almas.
Essa era a rotina diária que João Maya presenciava todo dia. Não via a hora de chegar em casa e pensar e tentar ver o menino Krishna. Que sufoco, todo dia essa mesma lata de sardinha! Mesmo tendo um emprego melhor do que a maioria daquelas pessoas ali no ônibus, não tinha condições ainda de comprar um carro. Por enquanto teria que "viver com essas pessoas", duas vezes por dia: na ida e na vinda do trabalho. Fazer o quê???
Pensou no prana (energia) que ele, como praticante de Yoga, sabia manipular e sentiu dó daquelas pessoas que mal sabiam respirar corretamente. Elas sabiam lá cantar o mantra Hare Krishna? Elas sabiam fazer as posturas psicofísicas que ele sabia? Elas já tinham tido a iniciação de um Mestre de linhagem indiana? E leve zombeteiro sorriso quase explodiu de sua boca...
No meio desse turbilhão de pensamentos, viu um menininho de cara muito alegre, olhos lindos que pareciam dois sóis recém-criados. Sua pele era branquinha, mas se ele, João Maya, não fosse desconfiado de muitas coisas que os olhos físicos duvidam, juraria que sua pele era bem azulzinha... Sendo desperto pela voz do menino, saiu de seu mundo de reflexões. O menino, todo sujo e com as roupinhas rasgadas, chegou perto e disse:
- Moço, o senhor poderia comprar esse pacote de balas de mim? Eu preciso ajudar muito minha família e uma certa pessoa...
Quando se preparava para dar um sonoro não - pois odiava moleques que vendiam coisas nas ruas e ônibus, achava aquilo tudo muito errado! - sentiu um barulho enorme e seu único olhar foi de ponta-cabeça: o ônibus havia atropelado alguém e havia capotado. Sentiu uma forte pancada na cabeça e no coração. Rogou ajuda de seus mestres que ainda estavam vivos e nada. Uma forte decepção tomou conta de seu coração. Pela primeira vez na vida, percebeu que aqueles homens vestidos de roupas indianas eram apenas homens... Pessoas comuns, como ele. E que seus nomes não eram mantras de salvação coisa nenhuma! No maior dos desesperos, pensou no Mestre de Olhos de Lótus, e uma prece saiu de seu coração: “Menino Krishna, por favor, me ajude, por favor..." E perdeu, de vez, os sentidos.
Saindo, lenta e pesadamente de seu corpo carnal, João Maya atravessou os limites do mundo físico e deparou-se no mundo astral, o mundo dos espíritos, o Mundo da Verdade. Sentiu que uma música extremamente amorosa o puxava para longe. Muitas pessoas também eram atraídas por essa música celestial. Era tão doce essa música que tinha certeza que o nome de seu Amado Krishna estava ali. O engraçado era que via que todos cantavam com consciência essa música, de crianças até velhos, pessoas de várias classes sociais e de todas idades e de ambos os sexos. E quanto mais cantavam mais rápido eram transportadas para um lugar que ele sabia ser muito bom. O engraçado era que as pessoas cantavam com o coração. Tentou fazer o mesmo, porém parecia que o nome de Krishna emperrava dentro de seu peito, ao passo que todos ali cantavam suavemente o nome do Menino Celestial. Ainda se sentia pesado e lento. Teve a impressão de que alguém o ajudava a locomover-se, pois se dependesse de suas próprias forças não acompanharia aquela multidão. Tudo que sabia era que deveria acompanhar aquelas pessoas. E assim, com essa ajuda estranha a sua percepção, juntou-se à multidão astral.
Chegaram todos a uma estrada. Ele foi o último. Todos estavam fazendo aquela reverência com as mãos, cada pessoa fazia um pujá e unia as duas mãos em frente do peito e cantavam celestialmente o nome de Krishna. O mais estranho era que a estrada era feia, barrenta e cheia de buracos. João Maya não entendia aquelas pessoas... Por que faziam aqueles gestos e cantavam o nome de Krishna, num lugar feio, numa estrada horrível... Nessa estrada só havia uma porteira e em volta dela, muitos arames farpados, que impediam a entrada sabe-se lá para onde. Era um bando de loucos, pensou.
De repente, todas as pessoas começaram a abrir a porteira e, uma a uma, organizadamente, começaram a entrar e caminhar a um destino que seus olhos não conseguiam alcançar. Ele não conseguia se mexer e caiu no chão chorando. Lágrimas grossas de orgulho ferido saíam de seus olhos. Pela primeira vez na vida entendeu que não era um super-herói da espiritualidade. Soluçando como uma criancinha perdida dos pais, deixou sua cabeça cair na terra e amaldiçoou sua existência. Por que tanto orgulho? Por que tanto sentimento de superioridade? De que tudo isso adiantava para ele agora? Perdendo toda a noção de tempo, chorou, chorou e chorou. Quando estava chegando a ponto da loucura máxima, aquele momento em que pensou que iria se desintegrar no universo da dor, ouviu passos leves e suaves como o vento da primavera. Um forte cheiro de rosas e flores, de todos os tipos e tamanhos, cores e essências, invadiu o ambiente. Um avassalador som de flauta que fazia até o chão dançar tomou conta de todo o seu ser. Duas mãos suaves e poderosas, bem azulzinhas, levantaram-no.
Quando conseguiu entender o que se passava, entendeu que era o Menino Krishna que estava ali, pessoalmente! A emoção foi tão forte que só a palavra AMOR poderia ser proferida de seus lábios. Estava totalmente paralisado. E o Senhor dos Olhos de Lótus continuava a tocar a sua flauta. Após um tempo em que João Maya sentiu que muita coisa ruim foi retirada de sua mente e coração, pode articular as primeiras palavras.
- Mestre, por que todas aquelas pessoas entraram por aquela porteira e eu, que há tanto tempo canto os seus nomes sagrados, não consegui? Por quê?
- Amado filhinho, não é só repetindo meu nome mecanicamente que se alcança o Estado de Bem-Aventurança. Essa é a Estrada do Amor e para caminhar por ela, só tendo conhecimento para abrir a porteira que permite o começo da caminhada Nela.
- Mas eu li os Livros Sagrados da Índia... E acho que eles não...
- Amigo, não confunda a palavra entendida e a palavra sentida. A primeira, qualquer pessoa pode concretizar, pois ela é fruto da arte de ler e escrever. Já a segunda, é a arte de ler e escrever com o coração. Geralmente, são os mais humildes que entendem as palavras que vêm dos céus...
Mas Menino Celestial, eu pratico Mantra Yoga todas os dias: de manhã, na hora do almoço, pois deixo até de comer para cantar seus nomes, e à noite, depois que chego do trabalho. Acho que ninguém que conseguiu passar por essa porteira sabe sequer o seu nome...
- Meu querido filho do Eterno, você confunde os meios com os fins. Que importa se me chamam de Krishna, Jesus, Buda ou qualquer outro nome? Você acha que não vou ao socorro daqueles que clamam pelo Amor do Criador do Universo? Já parou para pensar que AMOR é meu nome? Que sou UNIVERSAL e me manifesto de acordo com as condições locais, tanto as espaciais quanto temporais? Além do mais, saiba que é melhor você estar de barriga cheia e dar um sorriso para alguém; pois é muito melhor fazer o bem para o próximo em vez de ficar, egoisticamente, cantando os meus nomes.
- Mas Menino Amor, eu ouço as pessoas com carinho...
- Será realmente assim, amigo de meu coração? Lendo suas atitudes, que estão bem gravadas em você próprio, vejo você sendo grosso com uma cigana. Você a chamou de suja... Através dela, iria avisar você daquele assalto do qual você foi vítima... Lembra-se? Através daquele seu vizinho chato, a quem você tem nojo, eu iria falar para você que tinha esquecido o gás ligado... Como você não o escutou, sua casa explodiu... Tem memória daquele diálogo de seu chefe chato, quando ele disse para você ficar até mais tarde no trabalho? Teria evitado aquela chuva que levou você até o hospital, com uma séria pneumonia... E por aí, vai, amigo de minha alma. Quer ouvir mais sobre seu comportamento?
Com a cabeça caída, os olhos marejados de arrependimento, João Maya diz:
- Como posso mudar? O que fazer para melhorar?
- A todos me manifesto. Como podem me ver, ouvir, tocar e cheirar. Mas me apresento no coração de todos, sem exceção. Aquelas pessoas que abriram a porteira e tiveram acesso à Estrada do Amor sabiam, pelo menos minimamente, o significado da palavra Amor. Ame a tudo e todos, sem exceção. Aí poderá sempre conversar comigo diretamente, sem atravessadores do ego. Vá, volte e cumpra sua missão. Eu dou a minha benção em seu coração.
Sentido uma multidão em volta de si, João Maya abre os olhos físicos e vê as pessoas chorando de emoção, por ele ter voltado à consciência. Não acreditava que pessoas que não conheciam pudessem cometer tal ato de amor. Uma senhora, desdentada e bem mal-tratada pela vida, aproximou-se de João e lhe disse que só ele tinha ficado inconsciente com o acidente. Que todos rezaram pela sua recuperação. Agradecendo e tentando levantar, João percebeu que uma mão estava a segurar a sua há muito tempo. Era a mão daquele menino vendedor de balas... O menino contou que havia segurado sua mão o tempo todo, que não havia ele, menino, sofrido nada. Mas que alguém, dentro de seu coração, pedia para que ele fosse o sustentáculo do homem que havia perdido a consciência por um tempo de sua vida e que agora começava a voltar para a realidade...
Com as lágrimas escorrendo de sua face, João Maya pergunta o nome do menino.
- Pedro. Mas meus amigos me chamam de Balarama*, senhor. É porque ganho a vida vendendo balas da marca Rama...
- Meu novo amiguinho, gostaria muito de agradecer você, por toda a sua dedicação. Gostaria de tomar um sorvete comigo?
Com os olhos brilhando de alegria, o novo amiguinho de João Maya dá um sonoro e alegre "Simmmm!!!”.
E os dois partem, de mão dadas, para uma simples sorveteria da rua próxima.
PS: Pessoal, senti uma forte presença de vários hindus, aqui em casa. O nome de Krishna ficou ecoando dentro de mim e escrevi esta história sem pensar em quase nada. Ela pertence a eles, apenas a escrevi por inspiração.
Coloquei para ouvir o CD “Krishna Bajans”, de Jagit Singh e Chitra Singh.
Que Krishna possa abençoar a todos nós! **
- Washington da Silva -
- Notas:
* Balarama (do sânscrito): Irmão de Krishna.
** "Nesse momento, Arjuna pôde ver na forma universal do Senhor as expansões ilimitadas do Universo situadas em um só lugar, embora tenham sofrido muitos e muitos milhares de divisões." in Bhagavad Gita.