PESQUISA PSÍQUICA

O século 19 ficou marcado pelo início das pesquisas psíquicas com objetividade científica, que abriram caminho para os estudos da parapsicologia. Mas foi uma fase conturbada, em que muitos cientistas tiveram suas conclusões criticadas até mesmo pelos colegas.

Hernani Guimarães Andrade

Matéria publicada no site Portal do Espírito
“O Espiritismo e a Ciência completam-se reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, acha-se na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação”. (Allan Kardec, A Gênese)

O que é Psychical Research? Traduzido literalmente, Psychical Research quer dizer Pesquisa Psíquica. De acordo com a Encyclopaedia of Psychic Science, de Nandor Fodor, é “uma investigação dos fatos e causas do fenômeno mediúnico. Seu primeiro interesse é estabelecer a ocorrência dos aludidos fatos”.

Este movimento surgiu no século19, na Europa, mais particularmente na Inglaterra. Até então, a ciência oficial havia silenciado a respeito dos fenômenos paranormais (e continuaria a manter-se silenciosa por muitos anos ainda).

Nos fins do século 17, e durante o século 19, assistiu-se a rápido desenvolvimento da ciência. No século 19, inúmeras descobertas da Física, especialmente na área da eletricidade, enchiam de assombro e entusiasmo os cientistas. Idéias audaciosas acerca da natureza da nossa realidade, puramente material, eram admitidas com grande repercussão nos meios mais cultos.

Gassiot, em 1854, na França, e Plucker, em 1858, na Alemanha, fizeram as primeiras experiências de descargas elétricas em gases rarefeitos. Seguiram-nos Heirinch Geissler (1814-1879) e J. W. Hittorf (1824-1914) que aperfeiçoaram os tubos de gases rarefeitos e estudaram mais profundamente os resultados das descargas elétricas nesses aparelhos. Em 1879, sir William Crookes (1832-1919), operando com tubos de Hittorf por ele aperfeiçoados, descobriu os raios catódicos, chegando quase a atinar com a natureza desta radiação, pois suspeitou que poderia ser constituída de “pequeníssimas partículas” portadoras de eletricidade negativa. Por pouco teria descoberto o elétron. Este feito coube a sir J. J. Thomson, em 1897, usando um tubo de Hittorf-Crookes provido de defletores elétricos e magnéticos. Em 10 de Novembro de 1895, o físico alemão, Wilheim Konrad Rontgen, usando um tipo modificado do tubo de Crookes, descobriu os raios X. A descoberta da radioatividade ocorreu em 1896 por Becquerel. Em 1898, Marie Sklodowska e Pierre Curie isolaram o polônio e o rádio. Como se vê, o século 19 foi fértil em descobertas no campo da Física. Em outros setores da ciência houve muito progresso também. Lembraremos, como exemplo, a teoria de Darwin, cuja obra, A Origem das Espécies (1859), provocou uma verdadeira revolução nas idéias do século 19.

A ÉPOCA EM QUE SURGIU O MOVIMENTO INTITULADO PSYCHICAL RESEARCH era caracterizada por uma grande expectativa acerca do poder da ciência fundamentada no positivismo e no materialismo mecanicista. A tendência era superestimar o conhecimento positivo e repudiar tudo aquilo que pudesse sugerir um retorno ao misticismo, à especulação metafísica e ao sobrenaturalismo. A Psychical Research não era propriamente uma reação à atitude intelectual do século 19. Era uma tentativa bem intencionada de abordar, de maneira científica, a abundante fenomenologia paranormal surgida naquela ocasião, graças à proliferação dos bons médiuns que, coincidentemente, apareceram na Europa. Entretanto, como iremos ver, essa tentativa de enquadrar o estudo dos fenômenos paranormais no âmbito da ciência oficial não foi bem sucedida. Houve tenaz reação por parte do próprio “establishment” científico vigente.

Em seu livro Introduccion al Estudio de la Parapsicologia (Buenos Aires: Oberon, 1957), o Dr. Rudolf Tischner diz que toda a disciplina científica possui, como fato estabelecido, o seu objeto de investigação e estudo, exceto a parapsicologia: “Em qualquer outro domínio da ciência existem fatos estabelecidos de uma maneira incontestável; um etnólogo, por exemplo, que se proponha fazer-nos conhecer os costumes matrimoniais dos australianos, não tem de trazer-nos a prova da existência dos australianos nem de homens que celebram o casamento; nós não duvidamos, e o autor pode no momento entrar na matéria. Todo o contrário sucede com a parapsicologia, pois aqui é necessário, antes de tudo, provar que existe uma ordem de fatos que justifique o nome particular desta ciência.” (Opus cit.p.9).

Fizemos questão de transcrever as próprias palavras do Dr. Rudolf Tischner, pela grande sabedoria e importância que elas encerram. Talvez elas esclareçam o estranho fato de, somente em 1969, após três tentativas sem sucesso por parte da Parapsychological Association dos EUA, ter a parapsicologia sido finalmente reconhecida como disciplina científica pela The American Association for the Advancement of Science – AAAS. Nós dissemos somente em 1969, tendo em vista o considerável tempo passado, desde que os fenômenos paranormais vêm sendo registrados em todo o Mundo e ao longo da História do Homem.

Como ponto referencial, lembramos que a London Dialectical Society foi fundada em 1867. Dois anos após foi firmada uma resolução para investigar os fenômenos considerados como sendo manifestações espirituais, e reconhecidos como conseqüência disto. Esta resolução data de 26 de Janeiro de 1869, exatamente um século antes da AAAS reconhecer a parapsicologia como disciplina científica. (Fodor, N. – Encyclopaedia os Psychic Science, EUA; University Books, 1974).

QUAL O MOTIVO DE TAMANHA PROTELAÇÃO? Simplesmente porque os parapsicólogos não conseguiam oferecer uma cabal demonstração da existência do objeto da parapsicologia. E como não pode haver uma ciência sem o seu objeto de conhecimento, o oficialismo negava-se a aceitar a parapsicologia como disciplina científica.

Ao que parece os parapsicólogos da Parapsychological Association, ao fim de quatro tentativas, conseguiram demonstrar a existência do objeto da sua ciência. Assim mesmo a vitória foi apenas pela diferença de um voto. Concordamos também, com as demais opiniões que apontam outras razões para justificar as dificuldades de aceitação da parapsicologia como disciplina científica. Mas, a nosso ver o principal motivo deve ser o fato singular de, mesmo entre os parapsicólogos, haver aqueles que ainda negam o fenômeno paranormal.

Eles, naturalmente, não declaram isso abertamente, mas a sua atitude diante de um fato paranormal é invariavelmente a de achar uma explicação paralela que o enquadre dentro de um esquema reducionista e não paranormal. Para alcançar este objetivo, não trepidam em lançar mão de todas as hipóteses possíveis, por mais esdrúxulas e absurdas que sejam, exceto aquelas que, de antemão, foram discriminadas arbitrariamente por não se enquadrarem no paradigma previamente eleito como o certo. Em resumo, nega-se o objeto do pretendido conhecimento, portanto não se alcança a ciência do fato paranormal.

Uma das técnicas para manter o “status quo” de paraciência atribuído à parapsicologia consiste em criar barreiras ao seu desenvolvimento através de vários expedientes, entre os quais os mais comuns são: a crítica demolidora; a ridicularização do fenômeno e dos investigadores; o lançamento sutil da suspeita quanto à autenticidade dos fatos; a desmoralização dos investigadores. Algumas vezes, esta forma de descrédito é estabelecida aprioristicamente, de maneira que o investigador perde status pelo simples fato de pretender conhecer melhor os fenômenos.

LEMOS RECENTE ARTIGO DE AUTOR ESTRANGEIRO, publicado em excelente periódico de seu país, no qual era abordado o problema da investigação dos poltergeists. Depois de longa e alentada exposição teórica, na qual o referido articulista se esforçou para conciliar o “fenômeno espontâneo psicocinético recorrente” (denominação técnica dada ao poltergeist) com as desgastadas hipóteses da interação entre o cérebro do epicentro (médium) e os objetos das adjacências, terminou por concluir pela impossibilidade pragmática de comprovar os fatos, tal como aparecem aos olhos de pessoas com escassa capacidade crítica (concordamos). Porém, foi além, pois incluiu, entre os impedidos, os amadores da parapsicologia que, “sem mais bagagem cultural que uns livros de tendência espiritóide, nem mais instrumentos que o copo de um ouija, etc., etc.”, se metem a investigar os distúrbios de uma casa. Para ele, o genuíno investigador de pressupostos poltergeists “deve enfrentar toda a problemática destes casos, com uma excelente bagagem de conhecimentos parapsicológicos”. Ele acha que: “se a telecinesia espontânea recorrente existe, esta parece vinculada habitualmente, como sabemos, a uma personalidade psiquicamente alterada”.

Preferimos não mencionar o nome do autor e da revista, para não suscitar polemica, pois nosso propósito não é criticar a respeitável posição do digno autor e muito menos desmerecer seus méritos de bom parapsicólogo, aparentemente com larga experiência em casos de poltergeist. Nosso objetivo foi citar um exemplo, para sustentar a nossa opinião acerca da ambígua atitude de muitos parapsicólogos que, talvez não intencionalmente, negam o objeto do seu conhecimento.

Vamos ver agora o que se passou com a London Dialectical Society.

A LONDON DIALECTICAL SOCIETY (SOCIEDADE DIALÉCTICA DE LONDRES) foi fundada em 1867, por um grupo de homens ilustres. O surgimento da intensa fenomenologia paranormal ocorrido na Europa, no século 19, chamou a atenção de alguns cientistas e humanistas daquela época. Na Inglaterra em particular, o interesse por esses fenômenos foi muito grande entre a classe dos intelectuais. Era a fase vitoriana daquele país, em que ocorreram grandes empreendimentos e brilhantes feitos no campo do conhecimento científico, inclusive na pesquisa psíquica.

Em 26 de Janeiro de 1869 a London Dialectical Society firmou a célebre resolução que objetivava investigar os fenômenos considerados como “manifestações espirituais”. A comissão encarregada dessa missão era composta por 33 membros, entre os quais figuravam duas senhoras. Eram quase todos pessoas de elevado nível cultural e ético.

Em 20 de Julho de 1870, foi entregue o relatório da comissão ao Conselho da London Dialectical Society, o qual foi aceite e impresso privativamente em 1871. Para informar com precisão o leitor, vamos ater-nos o mais fielmente possível à fonte de onde extraímos estes dados. A Comissão Geral, em 15 reuniões, recebeu a evidência oral da experiência espiritual pessoal oriunda de 33 depoimentos escritos por 31 pessoas, e verificou que os relatórios das subcomissões substancialmente corroboravam uns aos outros. A lista dos fatos testemunhados é enorme e seria impossível transcrevê-la na íntegra.

Em resumo, a fenomenologia enumerada compreendia os seguintes eventos: 1) sons de vários tipos, produzidos em móveis, soalhos, paredes e tetos, sem causas normais físicas; 2) movimentos de objetos pesados, sem ações mecânicas conhecidas; 3) obtenção de respostas inteligentes a perguntas formuladas pelos observadores, por meio de batidas e usando-se um código adequado; 4) variabilidade das circunstâncias sob as quais os fenômenos ocorriam e a constatação de que algumas pessoas podiam influir favorável ou desfavoravelmente à sua produção.

O relatório das evidências oferecidas por trinta e três testemunhas, daquilo que elas presenciaram, inclui, resumidamente, mais os seguintes fatos: 1) levitação de pessoas; 2 ) visão direta de mãos ou aparições não pertencentes a qualquer ser vivo humano, mas com a aparência e a mobilidade de objetos vivos que, inclusive, puderam ser tocados; 3) sensação de ser tocado em várias partes do corpo, mãos invisíveis; 4) música executada em instrumentos acionados por agentes invisíveis; 5) incombustibilidade de pessoas submetidas a carvão em brasa ou chamas; 6) recepção de informações precisas, por meio de raps e escrita direta; 7) pinturas e desenhos, a preto e branco e a cores, produzidos durante curtíssimo tempo e sem intervenção humana; 8) informações de eventos futuros que ocorreram com absoluta precisão, com antecipação entre minutos e horas; 9) comunicações psicofônicas, curas, escrita automática (psicografia), apports de flores e frutos para dentro de salas fechadas, vozes diretas produzidas no ar, visões no cristal e aumento do comprimento corporal do médium.

“Entre os que forneceram evidências ou leram os relatórios perante a Comissão, achavam-se: Dr. Alfred Russel Wallace, Emma Hardinge, H. D. Jencken, Benjamin Coleman, Crowell F. Varley, D. D. Home e o mestre de Lindsay. Foi recebida correspondência de lord Lytton, Robert Chambers, Dr. Garth Wilkinson, William Howit, Camille Flammarion e outros” (Fodor, N. – Encyclopaedia os Psychic Science, EUA; University Books, 1974, pp.88 e 89).

Os nomes acima citados pertencem a personagens notáveis pelo seu valor, cultura e honorabilidade indiscutíveis e por demais conhecidos para dispensarem outros comentários. Mas é importante que se conheça a reação da imprensa daquela época, quando lhe foi distribuída cópia do relatório da Comissão.

COMO DISSEMOS LINHAS ATRÁS, A LONDON DIALECTICAL SOCIETY APROVOU, pelo seu Conselho, o relatório da Comissão apresentado em 20 de Julho de 1870. Aprovou-o e mandou-o imprimir em 1871, para uso privado, mas remeteu cópia do mesmo à imprensa local. Talvez esperassem uma acolhida simpática e a divulgação do seu conteúdo. Mas, a reação foi outra. Vejamos:

The Times: “Nada mais do que uma mistura de frágeis conclusões, adornada por uma massa do mais monstruoso despropósito que jamais tivemos a desventura de opinar a respeito”.
Morning Post: considerou-o inteiramente inútil.
Saturday Review: “Uma das superstições mais inequivocamente degradantes, que até agora encontrou curso entre seres racionais.”
Standard: conteve-se.
Daily News: “Uma importante contribuição a um assunto que demandará investigação mais extensa”.
Spectador: concordou com a conclusão do relatório, de que os fenômenos justificam posteriores investigações mais cautelosas. (Opus cit. P.89).

Entretanto, o relatório da Comissão limitou-se a expor amplo comentário acerca dos mais variados fatos observados pelos seus membros. Tais fenômenos espontâneos e paranormais, contrariando a opinião da imprensa daquele tempo, continuaram a suceder até hoje e foram objeto de investigação da Psychical Research nos anos subseqüentes. Mas fica clara a lição dos fatos. Sempre foi difícil demonstrar-se a existência do objeto da parapsicologia. Não que os fatos não sejam reais, mas porque é mais cômodo negá-los a priori, uma vez que a sua aceitação, de certa forma, implica na necessidade de uma reeducação daqueles que se convencem da sua realidade.

(Revista Espiritismo e Ciência 9, páginas 18-24)

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